#foradoeixo #naomerepresenta


Notifico meu repúdio à forma como fui tratado no 5º Congresso Fora do Eixo (congresso.foradoeixo.org.br) #ideiasperigosas. Fui convidado como provocador, deixei um dia de trabalho para colaborar com a rede. Ocorreu um erro de organização que não me permitiu sentar à mesa como palestrante como os demais participantes, atitude estranha ao discurso proferido por todxs ali de democracia participativa e de respeito à diversidade cultural. Repúdio à violência direta, falta de escuta e falta de respeito de certas pessoas presentes e, em especial, de  Ivana Bentes (@ivanabentes). Este tipo de atitude não é tolerável num ambiente de diálogo.


Eu não sou um bom orador e obviamente, fico muito nervoso em expôr minhas ideias, ainda mais sabendo que em geral não são aceitas quando falo em congressos de música onde a forma impositiva e autoritária impede que vozes menores se coloquem mesmo sob um disfarce de democracia. Os únicos comentários às falas foram falas elas mesmas de uma organizadora do site Overmundo e Pablo Capilé fundador do Fora do Eixo que falou por mais de 20 minutos. 

Por este meu desengoço em falar em público (tido por parte do público pouco afeito a real democracia como "performance") eu havia escrito uma apresentação do que se tratavam minhas pesquisas no submidialogia com harmonia estocástica aplicada à estruturação social. Engasguei, fiquei com medo mesmo, as pessoas ficaram bravas, dava pra sentir. Todos os outros convidados tiveram tempo de fala bem grande, em média de dez quinze minutos, falando sobre o que bem quiseram e a mim me foi negado mesmo 1 minuto de fala ininterrupta.

Não acho que tenha sido um mero problema político entre duas redes, como talvez alguns adorarão colocar para não ter de levar a sério as críticas propostas, mas antes e mais grave: a maioria das pessoas não sabe como se portar de uma maneira verdadeiramente aberta e respeitosa nas relações cotidianas. Uma diferença de uma rede para um coletivo é que eu não represento ninguém na rede e me sinto desrespeitado enquanto indivíduo e não fui falar em nome de ninguém.

Houveram sim dezenas de pessoas maravilhosas que conheci lá e que têm trabalhos incríveis e muito respeito, com quem pude conversar e aprender coisas deliciosas. Muitas queriam ouvir sim o que eu tinha a dizer. E é a estas que escrevi e por estas que fui até lá. Uma pena que tenha havido este tipo de incidente envolvendo nós de grande poder e controle da rede, ainda agindo sob alcunhas como "filtro" tal que põem em xeque todas as conquistas de uma rede tão grande. Não há uma "rede das redes", mas um processo de tomada de poder político e hegemonização de conduta altamente questionáveis. 

Muitas pessoas me alertaram que este tipo de postura seria inevitável da parte de muitos deles, mas mesmo assim tentei ampliar a questão e ouvi-los e mostrar o que andávamos fazendo para buscarmos soluções conjuntas para os problemas comuns de todos nós que vivemos em aculturamentos. O descaso, o desejo de poder político e a pesquisa rasa com relação tanto à música quanto à história das redes no Brasil tem levado a um esquecimento de conquistas cada vez mais importantes mundialmente, realizadas há muito tempo atrás perto da gente, por aí. É importante que não nos esqueçamos de Metareciclagem, Mídia Tática, Digitofagia e protagonistas muitos que não precisam de nome mas que devem ser fomentados sim em resistência à automatização do comportamento.

Ao que parece, este não é o primeiro momento em que a rede Fora do Eixo se mostra intransigente com críticas e se nega a diálogo:http://passapalavra.info/?p=41866 e http://passapalavra.info/?p=41221...

Abaixo, posto o texto que me foi negado ler, através de técnicas de censura ruídistica de  ataque satírico e filibusterismo (http://es.wikipedia.org/wiki/Filibusterismo):



"O maior problema da arte é a sensação que ela traz de que os problemas são menores do que de fato são. Nada como uma ópera de Verdi para nos fazer esquecer que pagamos pela entrada e que este dinheiro nunca vai chegar a quem construiu a casa de ópera." 
Errico Malatesta

Eixo, Axioma, Vértice, Vórtice, Fractal

Gostaria de agradecer a presença de todxs e o convite de participar do congresso. Queria dizer que conheço pouco do Fora do Eixo, suas propostas e modos como a rede se estrutura. Tive um experiência ótima com o Festival Contato que nos permitiu apresentar uma intervenção ruidística na praça central de São Carlos logo antes de um show do Emicida. Fui chamado aqui, por fazer parte do corpo editorial do livro Ideias Perigozas, hashtag que você vêm utilizando. 

Quero, deixar de lado nesta fala (que escrevi para abrir uma conversa outra), só por alguns instantes as pragmáticas políticas e burocráticas, as discussões importantíssimas da agenda que vocês estão estruturando para a cultura como plano de ação nacional desenvolvimentista, os enredamentos de networking, as experiências pessoais, para retomar pequenas questões abstratas que me parecem relevantes, não por um desejo intelectual, mas porque falam de outro campo do cotidiano que às vezes não percebemos mas que ainda assim está submidiaticamente presente nestes tipos de encontros que nos vemos a dez anos (no caso de alguns mais) fazendo, que se assemelham a megaeventos de rock e esporte.

Nada do que eu vá dizer é novidade, mas sinto que precise dizê-lo. Quero começar aclarando alguns conceitos conectados ao nosso encontro, usando a escuta como exemplo, que no fundo é disto que eu entendo:

Ideia: entidade representativa da id'entidade ( do grego eidos:presentação).

O som é uma ideia da escuta, uma representação dentro de um campo sensível de explosões de pressões e densidade do ar e dos corpos.

A música é uma ideia sobre um som, uma representação de ordenação geométrica que cria uma forma de estruturação semântica, linguística. Pode-se dizer que a música é uma gíria da linguagem sonora.

A escuta pode se tornar uma ideia musical, uma representação de si num contexto que passa a moldar os impulsos do ouvinte a aceitar ou negar um som de acordo com seu pertencimento ou não a uma forma de legislação sobre a sensibilidade. Através da idealização musical da escuta, o som se torna um campo político-moral.


Perigo: situação limítrofe (peri: limite) da existência de algo.

O ruído é um perigo à escuta porque a leva para fora desta área de conforto daquilo que temos como musical ou meramente soante. Eu sou um ruído aqui, não concordo nem discordo das ideias que desconheço nem acredito em afetos de palavras (e eis um problema que tenho com as canções em geral). O ruído foi por muito tempo tido como o “som indesejado”, e isto foi tomado como algo pejorativo. Mas este “indesejado” não queria dizer que aquele som era combatido, mas apenas que não havia sido desejado antes. Não houve necessidade para ele antes.


Ideia Perigosa: uma situação limítrofe da existência de uma identidade representativa.

O ruído é uma ideia musical perigosa, porque questiona a identidade representativa da forma geométrica hipnótica da música sobre a escuta sonora. O que eu estou cantando? Que o perigo de uma música é achar que está sendo rebelde enquanto usa das estratégias de seu opressor. Por exemplo: pouco se pode distinguir harmonicamente, melodicamente, ritmicamente até de um postgrind hardcore, de um proibidão e de uma sonata de Mozart. Neste sentido admiro profundamente a música da Marli. Ali algo se perde, e nesta perdição há uma gozo esquizito, meio alienígena. O ruído lembra que podemos soar de qualquer maneira, mas mesmo quando isto nos foi lembrado seguimos soando igualzinho, porque tínhamos vergonha do abstrato. Pois a molecada tá detonando usando métodos os mais malucos pra somar novas e ancestrais possibilidades de soação.

Ideia da Ideia: questão antiga como a palavra é saber da metaideia (ideia da ideia), ou a identidade da própria representação. Quem pode representar algo que não seja?

A ideia sonora dobrada sobre si mesma leva a um experimentalismo dos fluxos quase sem forma dos sons, aqui abrem-se as buscas por escutas casuais, aleatórias e imprecisas. Pega um troço do lixo, toca o som e canta o que vier à cabeça. O som do som é um silêncio prenhe de sentidos que nos leva a ouvir com o corpo todo.

A ideia musical dobrada sobre si mesma leva a um formalismo das hiperestruturas fractais de velocidades e durações, aqui ouvimos a programação como legado do pensamento musical, onde abrem-se as buscas por escutas de cristais, precisas e transparentes como os sonhos das máquinas. Quebra um vidro, mede os pedaços e faz um sino que você toca de acordo com os números das medidas. A música da música é um silêncio prenhe de sentidos que nos leva a pensar com o corpo todo.

O ruído dobrado sobre si mesmo leva a um ponto estacionário onde ele se torna monótono, mântrico, plácido. aqui ouvimos o fervilhar da matéria e os resquícios térmicos da movimentação energética estacionária na nossa parca experiência do temporal. Desliga todas aparelhagens elétricas e repete a mesma composição só com os corpos, pede ajuda do público. O ruído como complementação natural de frequências através da ressonância estocástica. Ressonância é quando o som bate no metal e o metal toca outra nota, a gente se reafina com cada nota de um música (por isto me preocupa tanto que todos estejam afinando tudo sempre tão igual e seguindo a mesma lógica hegemônica). Estocástica significa que tem um estoque grande destas ressonâncias explodindo em cada coisa, um pipocar de harmônicos.

Uma escuta dobrada sobre si mesma leva a uma autoanálise das reais motivações de porque gostamos disto ou daquilo e de sua eficácia na subjetividade de outros ouvintes e na utilização ou não de certos sons e pausas no nosso próprio soar. A cultura pós-sampler levou uma conversa que era sobre melodias a um hipertexto referencial. Já não compomos uma música, mas uma escuta com músicas.

Perigo do Perigo: pessoas expostas a ruído por muito tempo em suas vidas, têm pouca relação com melodias sutis. 

Pessoas expostas a um certo tipo de escuta, sentem imensa dificuldade em aceitar outros modos de soação. A hegemonia é mais fácil de ser controlada. É melhor pra uma rádio comercial criar um certo nicho de operação. A questão de que gosto não se discute não é uma questão de gosto e deve ser discutida sim. É perigoso falarmos em uma música nacional porque limita a escuta assim como é perigoso colocar rótulos de estilo em processos de escuta sob o risco de não percebermos que o esgoto do lado de fora está afinado com a guitarra. Este problema do limite do limite tem de ver com duas coisas importantes pra produção sonora atual: uma é a questão da invenção das salas de concerto em palcos no século XIX, que levou ao conceito que temos hoje de show não interativo de culto à personalidade; outro é o aumento logarítmico da densidade sonora em dB. O som está sendo gravado cada vez mais alto ocupando todo o limite do arquivo digital nos fazendo perder a sensibilidade dinâmica (e as poéticas possíveis aí) e centralizando a execução musical num altar iconoclástico que tira da música sua potência transformadora.

Discutimos muito a questão do direito autoral, mas pouco se discute sobre o direito de palco.
E se todos decidissem de fato tocar, quem vai limpar a sujeira de um público porco e passivo?

Quero agora falar de um processo que vivi ano passado e que pode esclarecer um pouco sobre como componho minha escuta:

Fora do Eixo: ano passado fui convidado para o Festival Fora do Eixo em brasília, onde eu seria curador do primeiro salão de residência do centro-oeste e me apresentaria no eixo monumental. Vim a descobrir que se tratam de dois movimentos distintos que dividem o mesmo nome. Àquela data, me pus a refletir sobre este nome e como ele influenciaria um movimento.

Eixo: é um ponto num mapa bidimensional estático. Ou seja, qualquer coisa que não seja o ponto está fora do eixo (n-1). Fora do eixo seria portanto, num mapa, tudo aquilo que não o ponto onde eu me coloco. Fora do eixo seria "o outro, a alteridade". Resolvi então imaginar como seria possível uma expansão deste conceito a que abarcasse mais do que este mapeamento e cartografia de um certo modo de escuta, de modo semelhante ao que vi dançarinos fazerem ao se livrarem da coreografia em prol do que chamam de procedimentos.


Transtornos (http://soundcloud.com/hyeronimus/sets/eixo-do-fora/): eixo, axioma, vértice, vórtice, fractal... foi assim que nomeei o processo, de modo a deixar claro o desdobramento necessário a um eixo que se quisesse fora: a saber, teria de sair de sua bidimensionalidade para que compreendesse a ampla gama de campos de forças multidimensionais que o atingiam num campo musical da escuta sem incorrer nas formas piramidais de hierarquizações (http://pt.wikipedia.org/wiki/Esquema_em_pir%C3%A2mide), sem querer atrair colaboradores para conseguir mais público. Para poder postular isto, porém, eu haveria necessariamente de causar um ruído dentro daquelas escutas acostumadas.

Tive uma série de problemas ao tentar expor estas ideias sobre os perigos das ideias que vinham levando a cabo sobre os quais não haviam se debruçado ainda. a filosofia chama a isto processo crítico. e é claro que fui atacado de muitas maneiras, minado em minha autoconfiança, ridicularizado, abandonado quando ali para servi-los. Eu com certeza não esperava isto deles, artistas. Os perigos daquelas ideias, que se provam cada vez mais verossímeis a mim, se fizeram sentir no meu corpo. As pessoas se defendem de ideias exteriores como de uma doença infecciosa, assim como as pessoas que gostam de música tonal se defendem da música formal, estocástica, espectral e ruidística a chamando de erudita.

No caso da escuta musical a nota (ponto de referência consonante) é o eixo, com seus axiomas de notas na partitura ou de acordes na guitarra, o vértice seria a melodia e a harmonia que modulam estes axiomas, o vórtice seria a própria composição, o fractal seria a rede de trocas de música, sua gramática, sua linguagem.

Mas há ainda outra escuta, ruidística, onde o eixo é a harmonia contextual de um som qualquer (um copo, por exemplo, cai no chão... que modulações este som causa na harmonia das escutas e nas ressonâncias das outras ondas sonoras?), os axiomas são as relações entre as escutas (as entrescutas), os vértices são os movimentos causados pelo som (alguém grita Axé! Quando o copo cai...), os vórtices seria o que chamo de aura por falta de nome melhor (uma progressão harmônica no ambiente acústico), o fractal seria uma composição de escuta, esta poesia do silêncio prenhe de barulhinhos copulando entre si.

E se misturamos ambas estas escutas? Que perigos há neste transtorno? Que perigos maiores há em não se ouvir a dissidência?

Trans Torno: o que atravessa o centro rotátil do meio urbano fazendo cruzarem elementos fora do eixo em campos gravitacionais que não os seus usualmente. Buscamos entender como ocorrem as sociedades de diversos modos de escuta, as cumplicidades de certos modos de vida que acarretam nos campos (a)composicionais dos "estilos musicais" por exemplo. Como as diferentes pessoas escutam e o que elas escutam? o que elas decidem não escutar? Quais as finalidades dadas ao sonoro e ao musical na vida social metropolitana? Que tipo de relações humanas são geradas por um tipo de cultura musical? São condizentes com o conteúdo poético e propriamente geométrico formal musical? Que aparelhos de rádio podemos reutilizar do lixo para tocar? Quem precisa ser ouvido e quem não quer ser ouvido? 
Com o advento da gravação, a ecologia da escuta sofreu uma superpopulação imediata em seu conteúdo. Há músicas demais já, e nunca ainda o bastante, bem sei. Mas é inegável admitirmos que a música se tornou uma poluição tão perigosa quanto o si bemol que afina o mundo nos motores de automóveis.

Que papel é este dado à música, de hipnose de consumo e hedonismo alienante?

O que se celebra num show? 

Qual o papel dos músicos enquanto urbanistas acústicos?

Como inventar novas formas de tocar a cidade? De deixar as pessoas subirem no palco, desmistificar a música, para retomar sua potência de alteraçao social? Como tornar a música de novo perigosa? Como retomar seu gozo no limite do ruído sem perder o sublime dos ouvidos?

Gozas: por que começam os coletivos de bandas? Por amor à música, espera-se, muito embora grande parte nunca nem se faça tal pergunta. Por um culto à cultura e ao ministério se sobe ao palco. Por uma busca do gozo da harmonia e este bálsamo formal de devir. Pois a música é, antes de ter se convertido num mero circo e arma de menticídio (controle mental), uma das mais ancestrais religiões doutrinárias e disciplinares que cobra uma postura de escuta de seus seguidores, é também a lógica mais antiga e mais sensível. Aconselho a leitura do mito de Orfeu e do texto de Hackim Bey "Utopian Blues" a este respeito (http://hermetic.com/bey/utopian.html). 

Tudo isto é prazer, delírio, gozo e nenhuma burocracia tem o direito de nos roubar isto, nem a choradeira dos produtores gananciosos ou artistas com medo de perderem o apoio de suas vaidades. Este enfrentamento das estruturas da grana só valem à pena se ainda nos faz musicar. Cadê os instrumentos agora? Temos que fazer música e pensamento musical em reuniões, para isto serve a polifonia e o contraponto. A política não pode apequenar a experiência deste eixo de si que não é um equilíbrio mas uma dança.

Cultura livre: cultura é a propagação de um certo organismo, que pode ser parasitário, comensal ou simbiótico. Como seria uma cultura livre que utilizasse apenas meios livres (como softwares livres) para liberar cada vez mais conhecimentos para mais pessoas? Como poderia uma cultura deste formato não demandar de seus participantes que se livrassem de seus preconceitos musicais ampliando a gama de possibilidades de atuação? Quanto já se cooptou a cultura hacker sem de fato levar a cabo seus fundamentos práticos?

Quero dizer, numa cultura livre não basta tocar rock ou forró ou qualquer coisa que já exista hoje em dia. Seria o mesmo que o Jimi Hendrix tocar foxtrot e o Gonzagão fazer uma berceuse em 1968. E não me assustaria que o álbum que Hendrix ia gravar com Miles Davis, caso não tivesse morrido, fosse reacionário perto de Bitches Brew assim como o Gonzagão não teve coragem de ir além de sua invenção (como bem o mostra um filme de Sganzerla). Hendrix tinha um senso de humor elétrico. Estas contradições são próprias da cultura, porque os organismos não conseguem observar de fora da própria dimensão de ação, não atuam criticamente e quando olham pra trás já é tarde e poucos têm humildade de pedir perdão. Ou melhor, os organismos competitivos atuam criticamente com os outros, mas não consigo mesmos. Um exemplo de cultura sempre em desenvolvimento, sempre viva, nunca crítica, é o câncer. Um megaevento como o Rock In Rio é uma Belo Monte montada no coração de uma geração e no seio de uma comunidade.

Ministério: é a aptidão para ministrar a melhor conduta sobre um assunto.

Ministério da Cultura: quem está apto a se dizer cerne do tipo de conduta que deva ser polinizado em tempos de tamanho questionamento filosófico sobre as ecologias subjetivas como este? Eu não. O desenvolvimentismo esbarra nos conhecimentos sagrados dos povos originários, como o rock'n'roll (em seu culto à personalidade, sua falta de interação, seus escravos sexuais e lacaios, roadies e groupies, sua enorme produção de lixo e competitividade criativa) se mostra altamente fascista perante um ritual indígena ou uma roda de improvisos hackers (http://www.youtube.com/watch?v=9sJUDx7iEJw). Eu não acreditaria num ministro nem que fizesse voto de pobreza, mas provavelmente isto tudo soe utópico. A música é a utopia da escuta.

2011, Anotou a Placa? Arduino. Um hacklab pra cada empresa patrocinar e dar uma finalidade? Reduzir o processo crítico à produção cultural de criatividade? E aqueles que não querem e nem podem ter um produto para suas artes, por exemplo os críticos? Como pensar uma cultura crítica? Como evitar os atropelamentos de uma horda com formas mais delicadas de produção ou de não-produção? Estou falando de pagar as pessoas pra não produzirem nada se não quiserem.

Ydeias PerigoZas: o livro ideias perigozas, eu queria com Y e Z, foi escrito no processo da rede submidialogia paralelo ao Fórum Social Mundial em Belém do Pará. A rede submidialogia (formado por detentores de sabedoria popular, filósofos, cientistas, artistas, líderes de comunidades indígenas, quilombolas, arquitetos, recicladores, cozinheiros, técnicos, hackers, etc.) ocupou uma casa tomada em escombros e a limpou e ocupou como um ponto de cultura ou zona autônoma temporária. 

Ali podíamos abrir a discussão pra assuntos de clara influência situacionista no sentido de que de nada adiantava falar e não ajudar na limpeza, na culinária. De nada adiantava ficar produzindo material subjetivo ultra moderno para questões macropolíticas e não notar que estávamos fazendo tudo parecer uma reunião de fim de ano da firma. O pedreiro Leo me disse assim, enquanto nós e Fernando limpávamos a varanda: "Se os meios são os fins, os fins não podem justificar os meios, porque não seria uma justificativa mas sim uma desculpa."

Ir para as ruas e deixar anônimos escreverem nosso livro, entender a cultura da desobediência civil sem militância. Abrir nossos próprios códigos e questionar nossas condutas e posturas. Nos responsabilizar por cada fala e cada silêncio numa real abertura de espectro livre, corpos-mídia, rádio sem aparelhagem movida a vozes (mídia-zero), momentos sem eletricidade, sem-sentidos, encontros com índios pra tomar cachaça e ver Bruce Lee, dormir no meio do mato nu, olhar búfalos nos olhos, 12h de percussão incessante, sexo nos corredores, pós-gêneros, revisões hierárquicas, bicicletas modificadas, massagem, softwares vertiginosos inúteis, um tapete com doações e pik nik e uma música louca na frente do puteiro e da prefeitura. Rituais com substâncias psicoativadoras, questionamento do diga não para a redução de danos. Oficinas de som alienígena na tv local, mesas de discussão nas ruas da cidade e não enfurnadas num auditório. 

A cultura é muito mais ampla do que gostaria o empreendedorismo massificante (http://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Barter) como a escuta é muito maior que a música. Cozinha coletiva em que todxs aprendiam a fazer de tudo, yoga no meio de avenidas, blocos que se negam a marchar, passeios fantasiados por mercados e lugares ermos, pequenas intervenções na cidade, hortas verticais, jardins de flores achadas no lixo, canções que nunca se repetem e não tem ritmo nem melodia certas, sinfonias pra ninguém ouvir, pixação poiética. 

Como valorar estas experiências artísticas?

Como seria possível falarmos de direito autoral com pessoas que tomam a cultura como profissão de fé e acreditam mesmo que a arte deva ser uma dádiva, antes de um commoditty?

Cooptação Afetiva: é claro que todo mundo precisa pagar as contas (http://pt.wikipedia.org/wiki/Culto_a_Carga). Mas todo mundo deve questionar pra que(m) servem as contas e quem as mantêm como necessidade! Há uma diferença entre uma rede de pesca pessoal e um navio pesqueiro industrial. Quem são os piratas da Somália? É preciso levar isto em conta. Uma decisão importante para cada artista é pensar em como reverter esta necessidade industralizante ou manter-se  criando o discurso perfeito de desculpa pras pessoas continuarem seguindo os padrões competitivos de culto ao poder. 

Antes de uma educação monetária sobre o mercado ou intelectual de retórica, antes mesmo de uma reforma burocrática e política, como propiciar uma educação afetiva com máquinas de respeito e cuidado que nos lembrem sempre o que nos motivou a começar tudo isto, no nosso caso aqui a música e a arte relacional da escuta? É preciso que nunca percamos de vista este indizível que não pode ser comprado, sob o risco de que não estejamos mais aptos a ministrar em seu nome. É preciso que a poesia não nos falte aos lábios, nem a escuta dê primazia às harmonias fáceis por preguiça, mas só em caso de absoluta convicção (como a música ultra singela de Arvo Part e a ironia propositalmente tosca dos The Residents).

A cooptação afetiva pode ocorrer tanto aos que buscam soluções para a necessidade inventada do dinheiro (enquanto dívida que mantêm os vínculos de escravidão mútua em prol da desigualdade e do domínio de alguns sobre quase todxs nós sob a desculpa do conforto e da segurança), como aos que reestruturam o aparelho de distribuição de deveres (enquanto cooptação do desejo de ascensão social, da mais-valia da luxúria no buraco sem fundo de nossos desejos). Através da competitividade, da desconfiança e da mesquinharia, falta de escuta compassiva e rancor podemos nos fechar para os que estão conosco. Acho que é por este medo que escrevi tudo isto pra ler pra vocês e pra mim. Porque nestes casos, as pessoas facilmente se esquecem que estamos falando de pessoas e de relações íntimas, de que a criação de arte é mais próximo ao cuidado com um filho do que da arquitetura política. Às vezes é melhor calar, e outras pensar bastante antes de dizer. Na música é assim também, a pausa é a faísca de vida do som.

Eis o perigo das ideias, tiram o gozo das coisas, tiram os afetos dos encontros, ao tirar justamente o perigo das ideias. 

Quantas possibilidades há na escuta para além da música? 

Como sair para fora deste eixo em direção a novos axiomas para dinamizar vórtices de movimentos fractais numa espiral de singularizações desta ideia perigosa que é uma política cultural hegemônica nacional?

Espero poder ter colaborado com estes paradoxos submidiáticos que concernem-nos a todxs. Grato pela escuta, termino com uma citação que encontrei no lixo junto com uma planta, ontem:

"O nascimento dos incríveis anos 60 foi marcado por um jovem movimento musical que gerou a proteção de um sem número de marcas usadas para licesiamento de vários produtos. A então jovem Britânia representou ditas marcas durante todo o período em que as mesmas estiveram presentes nas jovens cabeças da época."
folder de apresentação da Britânia Marcas e Patentes.



Hey, sim, nós somos os mesmos manos há uma cara
Tamo falano sobre televisão e fazendo a rádio pirata
Ajudando nossa geração a sacar
Que eles tinham que sair de lá e se ocupar
Porque a revolução não vai pro ar

Nós temos respeito por vocês rappers novos
E o seu jeito sem pressão, sem peso
Mas se vocês vão ensinar coisas pros irmãos,
Tenham certeza de saber o que estão dizendo e fazendo

Os manos mais velhos na quebrada conhecem a procedência
Se lembre que se não fosse por essa essência
Você não tava aí agora
E eu não tô colando com desrespeito, não se apavora
Tudo que eu tô dizendo é que você tem sim que ser correto

Porque se você vai falar por uma geração toda
E você sabe o bastante pra tentar manusear a educação deles
Tenha certeza de que você sabe a real sobre a situação passada e atual
E não está só repetindo o que você ouviu na tv local numa boa

Às vezes eles dizem mentiras
Num disfarce de verdade
Mas a verdade é, que é por isto que
A revolução não vai ser a sessão da tarde

Eles não sabem o que dizer pra calar a molecada
Mas eles sabem que você tem estas palavras
E se eles soubessem o que rola
Por que te contariam, ou te passariam a bola?

A primeiro sinal diz "Paz!"
Fala pros moleque laranja do pipoco
Que 'os hómi' gosta de ver nóis se matando
Erguendo um inferno nas ruas pros nossos
Dando a desculpa pra eles seguirem fuzilando!

Então... Envenenaram nossas mentes
Tentaram rir do nosso coração
E então eles disseram que tinham
Enfim controlado a situação

Oscarito, Mussum, salve irmãos!

Eles querem metade de nóis nas drogas
E a outra metade encarcerada. Eu sei, é foda!
Se os que eles querem mortos não caem na armadilha
Eles podem por as drogas na sua braguilha
E dizer que foi só outro "incidente com usuário dependente"

Diz pra eles que incidente significa
que eles não vão investigar
Ou que é só outro caso
de drogado na tv local

Aos irmãos do 9milímetros,
Dêem a eles algo sobre o que pensar
Diz pra eles que você ouviu uma palavra nova
Que eles vão ter que decodificar

Que eles tão se sentindo do jeito errado com a arma na mão
Se sentindo independente mas eles só assinam o contrato de prisão
Vão te dizer que é sem esperança nas avenidas
Mas se um deles soubesse a verdade, porque logo pra você te diria?

E se eles te olharem como se você fosse insano,
E eles te chamarem de espantalho ou dizerem que você não tem cérebro
Ou começarem a dizer que você se entregou, mano
Ou que os brancos te cooptaram no seu jogo insano

Ou pior, implicando que você simplesmente não sabe de nada,
Isto é o mesmo que disseram sobre nós... uma cara atrás.

Jovens rappers, mais uma sugestão, antes que eu saia do seu caminho
Eu aprecio o respeito que vocês tem por mim e o que têm a dizer
Eu só tô dizendo: "Proteja sua comunidade e espalhe respeito ao redor."
Diga aos seus irmãos e irmãs que eles têm que acalmar esta merda toda
Porque a gente tá aterrorizando os ancião e trazendo medo pra nossas casas

Ninguém precisa dar rolê com os idosos
Mas porra, não enche o saco dos velhos!
E nós sabemos quem tá saqueando a quebrada.
Fala que esta merda tem que acabar
Fala que você sente muito eles não tarem conseguindo controlar a situação aí,
Mas eles tem que acabar com o crime no bairro, meu irmão

E se eles te olharem como se você fosse insano,
E eles te chamarem de espantalho ou dizerem que você não tem cérebro
Ou começarem a dizer que você se entregou, mano
Ou que os brancos te cooptaram no seu jogo insano

Ou pior, implicando que você simplesmente não sabe,
Isto é o mesmo que disseram sobre mim... uma cara atrás.
E se eles disserem pros camaradas que você finalmente perdeu os nervos
É o mesmo que disseram sobre nós quando gritamos "Joanesburgo!!!"

Mas eu acho que vocês jovens precisam saber
Que as coisas não seguem dois proceder
Você não pode falar de respeito numa música
E falar merda no outro dia

Eu tô falando sobre os raps a respeito das camaradas mulheres:
Numa canção ela é a Rainha da África e na outra é uma piada
E você não disse nada que eu não tivesse ouvido antes,
Mas isto não torna melhor o que você fez. Pense, depois cante!

Isto só insulta 8 pessoas a cada 10 e questiona tua inteligência
Palavras de quatro letras não te tornam um poeta
Só ampliam o quão fútil você é
E deixam todo mundo ficar sabendo disto

E se eles te olharem como se você fosse insano,
E eles te chamarem de espantalho ou dizerem que você não tem cérebro
Ou começarem a dizer que você se entregou, mano
Ou que os brancos te cooptaram no seu jogo insano

Ou pior, implicando que você simplesmente não sabe,
Isto é o mesmo que disseram sobre mim... uma cara atrás.
E se eles disserem pros camaradas que você finalmente perdeu os nervos
É o mesmo que disseram sobre nós quando gritamos "Joanesburgo!!!"


Você não tá ficando louco!
Você tem um cérebro
Você não se entregou
Você tem o seu próprio jogo
Se lembre: Mantenha os nervos, mantenha os nervos, mantenha os nervos,
mantenha os nervos... Nós estamos falando sobre P.A.Z.!!