Seduções da Escuta

Apresento algo porvir da pele, do suor e do sêmen com o coletivo Esquizotrans e o grupo Solange, Tô Aberta no festival Funfarra de Brasília.
------------------------{performance para esquizotrans}------------------------
Toque Ubiquo
Movimento primeiro: Um homem se senta em silêncio olhando os olhos do público e ouvindo seus corpos enquanto a máquina grava. Ele perdura o silêncio até que este seja interrompido por alguma palavra acima de -15dB.
Movimento segundo: Escolhe, então, alguém do público e com um microfone grava os sons de sua pele, pelos, poros e vestimentas por 5 minutos.
Movimento terceiro: Pede à mesma pessoa que então o grave enquanto ele altera os sons digitalmente.

Três palestras na UNB: 
Musicaridade, Filosonia & Erotonia Tácita. Para inscrições e participação no curso não-presencial promovido pelo CEPES e pela pós em Filosofia, acesse http://www.gie.cespe.unb.br


------------------------ [duas palestras e uma oficina de criação] ------------------------




I.Musicaridade
“A música não funciona. Quantas canções de amor há e ainda não nos amamos?” John Lennon
1.1. Introdução à inefabilidade aural (Heráclito e o ruído do rio de fogo), incognosciência sonora (Bachelard, o som e os sonhos, e a fenomenologia do efêmero) e irrepresentabilidade musical (a Jaula de Cage no confissionário de Foucault).
1.2. Sedução e escuta (teleologia do gemido comparada à do gozo). Qual o som do sangue? A arte de merda e o coração de ouro.
"Music is not a language. Any musical piece is akin to a boulder with complex forms, with striations and engraved designs atop and within, which men can decipher in a thousand different ways without ever finding the right answer or the best one. By virtue of this multiple exegesis, music evokes all manners of phantasmagoria, as would a catalyzing crystal. - Iannis Xenakis
1.3. Três profundidades da pele do som (som-ruído-epiderme,música-derme,som-silêncio-hipoderme). Três modos de amar sonoro: caridade (ágape-iemanjá), amizade (filia-iansã), erotismo (eros-oxum).
1.4. Caridade como pressuposto da estética sonora (Caritas, ama de leite das musas). O anseio pela beleza (criado por esta mesma) e da arte como consolo metafísico (variações do Zoroastro persa sobre o Nietzsche compositor de liedez passando pelo Zaratustra cristão de Strauss, e Javé).
1.5. De como a beleza formal (Berio e o gesto musical nos escombros da Broadway) se recolheu ao silêncio dos ruídos (Debussy e A Mar, Satie com as mobílias) devido à mercantilização da caridade (Smeták, heremita no instrumento) levando-nos a uma proliferação da escuta plástica (pop, monotonia, emo e rótulos do desamor moderno-romântico em Bowie e Veloso) na harmonia contextual (Schaffer e as relações entre ecologia e economia) da atual acusfera (ciberfonia, capital é desafeto) transpassando os processos de sedução por dança melódica (Amadeus irônico, Bach crente, Berlioz erotômano, Chopin sombrio, Lizst sarcástico) na hierarquia da altura (Catherine Clemént na ópera com Freddie Mercury assistindo à derrota do feminino).
1.6. Resistência (musicoterapia e cancioneiro de auto-ajuda) e insistência (Coltrane e o Salmo ao Amor Supremo) na caridade de escuta (Keulheutter e Andrômeda, Stockhausen e Sirius) e composição geométrica dos fractais sentimentais-lógicos (Kepler, astronomologia e o compositor como composição) da música.
“E não seria o dever a forma altruísta do amor?” Jean Paul Sartre em “A Imaginação”
"Sem o imperialismo do conceito, a música teria substituído a filosofia: seria então o paraíso da evidência inexprimivel, uma epidemia de éxtases" Emil Cioran




II.Filosonia
“Quanto maior o rio, menos ruído ele faz.” Provérbio Tupy
2.1 Introdução à impregnação (Novalis e a luz se decompondo em algo mais que cores e o artista como sistema nervoso da natureza) por contágio aural (Diamanda Galas e o estupro de Adonis).
2.2 Harmonia entrópica (Jung e a ausência de foco entropológico do silêncio imanente) dos afetos (Aristóteles e as amizades como fim da Metafísica, políticas do corpo aural).
2.3 Ruído (“Fedor nos ouvidos. Música não-domesticada. Principal produto e testemunho comprovatório da civilização” segundo Ambrose Bierce) e desperdício (Mark Twain e a galinha que gemia como se botasse asteróides).
2.4 Inutilidade (Domenico DeMasi e Roussel tirando um cochilo na rede) como pressuposto tanto da amizade (Cage e a gagueira de Buckminster Füller) como da composição de uma escuta (Arcano VI da periferia orelha ao cerne do tímpano onde jaz o tambor do julgamento dos ritmos de encontro).
2.5 Melodia de timbres como fluxo do menor atrito (sintonia e sincronia) por entre as redes da ruidocracia (Heidegger e a computação como fim da lógica ocidental).
2.6 Audioadicção (Burroughs e as duas abstinências, Cioran e o tédio) dos afetos (Crowley disse “Bruxos[amigos] do mundo, uni-vos” enquanto Piva pixava nos poliedros “Xamãs[amigos] no mundo, espalhemo-nos”) e capitalismo subjetivo do aparelhamento das redes (“pirate ships in the chips animals territories”).
“So don't fear if you hear, A foreign sound to your ear, It's alright, Ma, I'm only sighing.” Bob Dylan


III.Erotonia Tácita
“Prometeu é antes um amante vigoroso a um inteligente filósofo.” Mircea Eliade
3.1. Introdução ao erotismo do tom silencioso (drone, monoatonia e o mantra do ruído). Metamorphopoiése e o intrincar entre processo e produto (Arcano III do contraste ao envelope), o palestrante não falará mais, mas apenas incitará os presentes à ação.
3.2. Práticas acústicas (foco auditivo, morfomicrofonação, dançaural).
3.3. Práticas acusmáticas (rugosidade, fluência e corte-ex em edição sonora).
3.4. Práticas harmônicas de acústica contextual (fonosmose, equalização, regência de objetos sonoros).
3.5. Práticas aurais (metaescuta, retroescuta, dançaural).
3.6. Práticas radiais (projeção, difusão, radiação, emanação).
“Através da obediência ativa [ao desejo], a audição torna-se sensível e clara.” Hexagrama Ting do IChing




------------------------ [um manifesto esquizotrans] ------------------------

Não acreditamos mais no esgoto a céu aberto que separa a alma da genitália. Nem conseguimos mais nos enganar com a pornografia da carochinha de que não há almas dentro da alma, nem genitálias dentro da alma, nem genitálias dentro das genitálias, nem papai noel sem xoxota.

Não aceitamos a tirania da monossexualidade sã e salva; deixem a Electra comendo o Édipo de pauzinho. Chega destas obsessões com porcas e parafusos fixos, nem somos feitas de aço inoxidável e nem de desejos curáveis, eles são obscenos e tem neconas mesmo que sem zarô, cavalas em disparada, necas de pitibiriba. Que tal eu virar Elke Maravilha e depois o Barack Obama e depois a Herculine Barbin e depois Max Ernst com uma bunda de Carla Peres antes de você terminar de gozar? Não aceitamos a tirania das monoidentidades e vamos passar a portar mais de um equipamento sexual, seremos portadores de mais de uma fissura retroativa em mutação, portadores de mais de uma carteira de identidade – uma para cada órgão do corpo que formos inventando. Não me diga que se lembra? Finja que está fingindo, improvise no seu bairro as pernas abertas e passe por baixo delas porque depois do arco-íris há uma língua, um gemido e uma hiena. Que é de lixo que somos feitos; pinto no lixo, reciclado em cotovelo, tornozelo virado da mãe do avesso, toda retráctil.

A Voz Humana e O Telefone

Theatro São Pedro, 19 de Setembro de 2007.

Banda Sinfônica do Estado de São Paulo


O canto suspenso pela linha não é o mesmo das cartas a Sofia. Se os soldados mantêm-se emparelhados aos escritos, é pela próprio excesso de contato trazido pela virtualidade que silencia-se à palavra falada ao íntimo.
Uma estilista de moda é a personificação mais distinta que se poderia esperar da heroína da Ópera Moderna. Somos escutas de esperas, se ao século XVIII um mundo calado emanava a beleza na insurgência da música, o XX já previa a saturação melódico-harmônica e a necessidade de uma arte do silêncio. Nas ondas das modas as notas não cessam, porém.

“Telefonista, por favor me conecte.”

O vão é distinto nas cordas vocais da soprano e do barítono. A própria voz poderia esgarçar em busca do tom de Fourier, as cordas poderiam paralizar o tempo do impulso…os músicos estão sempre ocupados… Como se as próprias obras não conseguissem nunca alcançar o público.
O cenário diagonal carrega os olhares ao chão. Os ouvidos plainam entre os tons inteiros da orquestra enviezada pelo histrionismo vocal… o gutural só surgirá na morte da diva esvaziada.
No primeiro movimento bufônico de Menoti a ausência da mulher para o homem é um convite à fuga em si maior. Já no libreto de Cocteau a ausência da voz mesma masculina abre a brecha terrível da esquizohisteria, salto para o vazio de Turandot. Chaterine Clément tem uma obra ímpar sobre estas sutilezas: “A Ópera, Ou a Derrota das Mulheres”.

“O jovem Adônis morreu
que faremos agora?
lacerai o peito mulheres,
dilacerai as vestes!” - Safo de Lesbos

A ópera reduzida à reclamação do amor possível. Um pragário contra o Liebestod. A tal pulsante energia primitiva que houvera um dia, corrompida agora pela representação histórica da própria música. Entre músicos e música se interpõe o pedágio semiótico, o filtro digital. Estaética mesma que propõe o riso do palhaço e convence a todos à sisudez, que demanda a técnica composicional e investe no transe mel-ódico, que clama pelo enredamento das classes criativas mas previne-nos de qualquer real contato.

Qualquer coisa, me conecta no Skype.

Silêncio, Por Favor.

Silêncio, por favor! Falar, gesto de profanação. Rompemos as intrincadas tessituras entre silêncio e som para interpormos nosso tremular verborrágico, a explicação quer ter ao inexplicável, o paradoxo é a paixão primeira do que é.

Nos lembremos que informação não é conhecimento, conhecimento não é sabedoria, sabedoria não é beleza, beleza não é amor, amor não é música e a música… a música musica algo para muito além de nós.

Jogados no mundo, movemo-nos aos caprichos da guerra de tudo contra tudo, sinergia das potências… Só habitamos pontes, linguagens, vínculos antropocósmicos perdidos na cegueira das sensualidades, semióticas. Os amantes das mathemas epistémicas cruzam os abismos absurdos pautados em seus cabrestos axiomas, limitam os sensos pelo bom, toda procissão tem sua pragmática ritualística. Ao devaneio poético, resta senão suspirar: Levai-me caminhos!

Ouçamos a sinfonia do (e no) mundo, {…} não podemos esquecer o som das britadeiras e dos automóveis, as pontes estão sempre em construção. Cessasse o esgoto radioativo e suas dança do acasalamento palavra-lei som-potência do cancioneiro; não mais rissem as buzinas do livre-arbítrio e do fluxo; os mascates parassem de vender as vendas; não estendesse o sonic boom aviador às linhas de morte, fuga e fumaça das geometrias orbitais; silenciada a pólis aos seus 40 deciBéis por metro quadrado; ainda assim, a mais delicada sutileza do concreto pleitearia ao fortissimo furioso do barro oco.

A distinção entre ruído e música toca o cerne da estética transcendental, o que é indesejado e o que é desejável do que devem? Esquizofonia, o cárcere auditivo a uma paleta de modulações das ondas sonoras (cortimbre, melodiarmonia, ritmopulso) é também o abrigo de nossos valores oníricos, moiras e morus. Durar cruza o espaço tal qual psiché atravessa qualquer investida do lógos e inversamente. Nos alimentamos das origens que retemos nestas tramas, somos como soamos.

Onde ouvimos o agora? {…} Porão escondido atrás das cópias sob a curva do rio, ponte fictícia do religare entre fé e o que é. A alcova, o ninho, a toca, a terra não tem limites abaixo em nossos sonhos, o porão é o portão do hades. O refúgio sempre está no olho do furacão, os ouvidos não piscam. Aqui está quente porque lá fora faz frio, é numa divergência convergente que alicerçamos nossos paraísos artificiais. É nos invernos da memória que se atualiza o lar de uma casa, sua máquina de afronta ao cosmo e nisto todo cálice é morada, brindemos.

Que ouvimos do aqui? {…} As vigas de sustentação tremem, respiramos, respiramos, não há momento que consigamos estar juntos sem alguém falando {…} O espaço seduz-nos com a intimidade a agirmos, a movermos os cômodos de lugar, os centros de solidões, tédios; paixões agrupadas nas salas da construção de mais um corpo sem órgãos, reduzimos os refúgios de nossas musas ao reduto de nossa autoridade de autores, a ágora obriga-nos a subverter nossas relações em políticas.

Conseguiríamos calar nossas vontades tempo suficiente para ouvir nossos tantos corpos, porém? {…} Os corpos humanos estão em corpos sociais em corpos arquitetônicos em corpos celestes, e estes, entre outros criam corpos sonoros da mesma maneira que meu corpo linguístico enquanto vos falo.

Que pede-nos aqui e agora esta voz que silencia? Favorecidos com a a-tensão, suspendamos por dez minutos a palavra, não falemos. Experienciemos ao menos uma vez este porão de subjetividades sônicas, devaneemos a outras escutas de nossas incontáveis peles além da ratio-plausível. Para que a música nascida de cada ínfimo movimento e gesto nossos, a harmonia sonora dos corpos ambientes, não nos trespassem despercebida. Só por hoje deixemos soar os cantos de nós, nos esqueçamos só por hoje do véu da técnica e deixemos que a música nos dance. Ouçamo-nos sem palavras. Silêncio, por favor! Em dez minutos musicaremos…

Face Sonora e Maquiagem Musical


Este texto foi palestrava no MIS de São Paulo enquanto o compositor era maquiado com aparelhos que geravam sons granulares, realizado com Vivian Caccuri.
BASE
Que minhas palavras não me maquiem como os belos e grandes automóveis fazem com o tráfego.
Um texto maquia um verso, a memória maquia o devir, a música maquia o som.  A pele é o mais profundo abismo sobre o qual lançaríamos os dados de nossas pontes semiônticas. Alô base, responda!
Uma face é um rosto sem rosto.
A interface é o ruído entendido em seu silêncio, assim como a maquiagem é senão uma sujeira aceitável.
Um rosto e seus traços de rostidade (um estilo musical e os movimentos ecléticos que o atravessam) são resistências de um ego social no corpo (através da tensão muscular e tátil), que tornam seus segmentos controlados (ocular e oral) em palcos da auto representação política ao impedirem a fluência dos livres movimento das correntes energéticas dos modos desencouraçados da face (aural e olfativo). Uma desterritorialização do corpo implica uma reterritorializacão no rosto.
Há uma sobrecodificação (metaprogramação neuroimagética) pela hegemonia do utilitarismo da face e do som (iconoclastia hedonista musical, hierarquia das alturas melódicas, narcisismo semântico dos dados impuros). Tal máquina de rostidade (produção social da musicalização e do rosto), efetua uma rostificação de todo o corpo (uma musicalização de toda a escuta), de seus entornos (you are your playlist) e de suas funções. Se o rosto produzido socialmente é uma política, desfazer o rosto também será uma política (se a música produzida socialmente é uma economia, desfazer tal música também será um produto de mercado).
Mas eu hei de maquiar estas palavras com as faces mortas dos ídolos, como se cada nome puxasse nós e os nervos capilares do ouvido mais próximos à garganta.


A síntese granular da música eletroacústica se baseia no delírio quântico atômico, erotismo de areia, filé à milanesa, devir rapé da escuta. Do pó ao só, do grão ao drão, do um ao bum. Cheira o cangote da pessoa ao teu lado. É cheiro de gente ou um casamento químico?
Cada torno da roda das modas, ou as giras das ninfas, por exemplo de Eco a Calypso, são sinos tocando contas de vidro.
Baudrillard fala de três estupros pro nascimento do humano: trabalho, consciência da morte, repressão sexual. O epicentro da artificialidade se põe entre nosso desejo contínuo pela objetificação de nossas subjetividades, Genet come margaridas antes de vender seu corpo de novo, carrega as mortalhas de seus afetos em nome de uma autopoiése mais. Eros ergo Muse.
A prostituição por si só permitiu o enfeite, salientando o valor erótico do humano feito objeto e serviço. Um tal enfeite é, em princípio, contrário ao movimento de negação do enlace sedutivo da mulher que se nega para gerar a caça ao objeto de si por parte do homem. A prostituição de umas determina o esquivar-se de outras…formas de uso do rosto. No princípio a prostituição era só uma outra face do casamento, chamar-se-ia dom ou dote.
Não é de se espantar que os mais antigos traços de civilização sejam a maquiagem funerária e a prostituição. O que se maquila num rosto, mesmo vivo, é seu inevitável cadáver e são os vermes que gostaríamos de realmente seduzir com a mais descarada nudez das vestes.
A estratégia camaleônica de Bowie, em sua dança pelas ondas tendenciais dos nichos da moda, o campo hipermoderno da escuta eclética, tem uma objetificação direta no entrincheiramento urbano do autismo. O rádio(e seus ipods provenientes) é uma tecnologia de guerra assim como a maquiagem rajada alternou do verde vietcongue para o cáqui jogador de golf iraquiano. Mudança similar da do fim da guerra fria, e a mudança do paradigma dos espiões para o dos terroristas, de Mata Hari a Wafa al-Bas. Quando o terrorist-chic virará tendência em Paris? O soldado está para a santa em pedaços no passo do gato como o filósofo para a puta sem clientes.
Banhos de sêmem no topo das pirâmides, já romanas. Quem lamberá as feridas de Orlan? Quem juntará os cacos de Hans Bellmer, Cindy Sherman? É por rosto mercurial, tronco salgado e barbatanas sulfúricas que o canto das sirenes atravessa as eras e as bocadas. É uma emergência, o toque à pele. São memórias futuras calcinando em teus poros as cores que nem teus olhos puderam compreender, algumas fodem e procriam em tua língua, algumas outas, compreensões de cicatrizes. Súbita efêmera sensação da realização da essência do fogo: Epifania.

CORAÇÃO
Tudo que tiveste imensa vontade de dizer e não pudeste expressar em palavras, depois o mostrará tua face.
Elke Maravilha, nada em nuvens de sombras coloridas e constela os céus de luz fria com estrelas de rímel. Pousa na beira de estrada caiada e canta para Novalis que gira a bolcinha com Burroughs… Cantos texturados de mútua sedução compõem a carta que ele tem em mãos, manchada como seus olhos. Fala de um Ulysses que não florecerá, homem de esperas e partidas. Choro de ninfa puta “Eles nunca ficam, eles não compreendem… e vão.”. Mas sempre um sorriso tremulando a espinha avisa a face a desenhar-se novamente ao coro do corpo.
Visage! Berio desnuda Cathy Barberian apenas para vestir suas cordas vocais com seus cálculos, lembrá-la da Enlil animal peludo. Lembremos que Poser é um software de avatares. Assim como o teatro se torna a pátria nula das máscaras de transparências após Godot. E perto destes cantos, Peter Grimmes é pouco mais que Pinóquio, corpo de madeira em cordas… E jamais nos esqueçamos que a própria forma vitruviana do corpo carrega em si sentimentos dos mais profundos, Casanova nos gestos mais sutis de desespero apaixonado ao maquiar as sombrancelhas da amada criatura apenas para poder desenhar-lhe olhos. Criamos uma música para que alguém ouça não apenas a nós, mas como nós.
Desde o pierrô lunar, títere maquilado dos influxos do íntimo até os arlequins solares do glam; é movida a sangue de purpurina e gasolina, a vaidade dos Golem.
No frenesi de maquiar cada encontro imediato no enredamento útil do netflerting, faríamos da alteridade não mas que um espelho de youtube.
Como vocês cozinhariam em um caldeirão de cera, se quando aquecido este também se põe a derreter? E ainda, como haveriam de pintá-lo?
Fez questão de deixar os lábios borrados depois do beijo, dormiria na cozinha suja e queria a nudez plena do descaso de si em mim. No dia seguinte de rosto lavado houvera de recitar Hilda Hilst em inglês enquanto cambaleava pela Liberdade.

SOMBRA
Se a não fossem de fluxos em decantações os corpos e a técnica hefaística quisesse de fato criar a perfeita prisão para as musas, o museu, haveria de mister dispô-lo entre um salão de belezas e uma academia de gimnopédias com mobília musical, como que ria Satie. Todo erigido em carbono, para facilitar a datação de nossas vaidades e luxúrias.
Olhava dentro de meus olhos e ouvia o tremular enquanto dormiu. Algo não foi compartilhado. Some storms are better without shelter. A cor da flor não escorre à chuva.
Ainda haverá um MAT, museu do aroma e do toque. Flores de plástico com borrifadores de aromas sintéticos criarão os âmbitos de nostalgia de certas intoxicações, do chocolate às caixas envernizadas. O hall das fezes históricas, de Beuys a Wharol. Estudiosos farão teses sobre a consistência e o aroma destas baseados nos hábitos declarados e nas imagens de arquivo. Em algum canto talvez haja uma pele para quando já não nos lembrarmos do encontro incondicional.
Beijou meus cílios e apertando a palma da mão contra meu peito, riu alto: mulher! Borrando o seu batom respondi enquanto tocava sua buceta: androgênio…
Se o artista aponta os problemas sociais é só para saber-se também a maquiagem destes. A simpatia da comcunbina para com o eunuco. Nas palavras de Cazuza: “Eu sou burguês, mas sou artista.” Aí vocês suspiram que gostaram ou não da obra e eu pergunto sobra as suas enquanto me retoco para o próximo concerto.

BLUSH
A rostidade está inscrita na linguagem como os estilos musicais inscrevem fronteiras à escuta. Ser babyface implicará a capacidade de representar o papel de barbie-modelo-amante subdominante ouvindo powerpop de girlsbands e emo, talkingface dará conta de uma pessoa crível que poderá jogar como o político-vendedor-informante ouvindo jazz fusion classic rock; scarface nos faz voltar aos guetos e aos submundos mafiosos da vida lôca do lado de lá da ponte do gangsta rap bolero spirituals; fuckingface tem sua tradução direta ao português assim como o pancadão revirou electrochic parisiense.  Obra de arte sob ar condicionado e a sexualidade maniqueísta(e aqui cito o gnóstico Manis). Como pode a diferença, ou ainda os trânsitos de sexualidade, fazerem alguma diferenciação ou gestar um transe?
Vocês! Todos vocês se despuzeram a sair de casa e vir ao museu e se prostam com interesse diante nossos sons, mas quantos estariam interessados em nossos aromas e secreções?
Uma das revistas de maior tiragem no Brasil (Caras) segue neste mesmo sentido, um paradigma de rostidade careta indicando sempre os shows de MPB mais badalados e chics. Multiplicação da presença das caras e do rosto em lugares públicos pela propaganda hiperindustrialmodernista (assim como a multiplicação ad infinituum das músicas de fundo). De um lado os visíveis (e audíveis): os novos nobres, os conhecidos VIPs que tem acesso à tela e sobrepassam as fronteiras do jabá e do networking; do outro: os desconhecidos (os olvidados das museas), os ignorados pelos lobbys da imagem e do som. Nos âmbitos artísticos (casta estética) vivemos uma rostidade mais discreta, ainda que não menos influenciada pela maquinaria sociotécnica que atravessa mercantilmente a sociedade (fetichização do entreface), buscando impôr a expressividade codificada (enredamento das impregnações dos modos de escuta e soagem).
Imaginem a crise de aprendizagem do político que logo depois de ser maquiado em sua fisionomia, estudado e treinado durante horas em sua linguagem e em seu discurso, em seu sorriso e em seus gestos, recebe como último conselho de seu assessor de imagem e voz, um momento antes ir ao ar: “Bom agora, por favor, seja completamente natural e espontâneo”.