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Seduções da Escuta
Apresento algo porvir da pele, do suor e do sêmen com o coletivo Esquizotrans e o grupo Solange, Tô Aberta no festival Funfarra de Brasília.
------------------------{performance para esquizotrans}------------------------
Toque Ubiquo
Movimento primeiro: Um homem se senta em silêncio olhando os olhos do público e ouvindo seus corpos enquanto a máquina grava. Ele perdura o silêncio até que este seja interrompido por alguma palavra acima de -15dB.
Movimento segundo: Escolhe, então, alguém do público e com um microfone grava os sons de sua pele, pelos, poros e vestimentas por 5 minutos.
Movimento terceiro: Pede à mesma pessoa que então o grave enquanto ele altera os sons digitalmente.
Três palestras na UNB: Musicaridade, Filosonia & Erotonia Tácita. Para inscrições e participação no curso não-presencial promovido pelo CEPES e pela pós em Filosofia, acesse http://www.gie.cespe.unb.br
------------------------ [duas palestras e uma oficina de criação] ------------------------
I.Musicaridade
1.1. Introdução à inefabilidade aural (Heráclito e o ruído do rio de fogo), incognosciência sonora (Bachelard, o som e os sonhos, e a fenomenologia do efêmero) e irrepresentabilidade musical (a Jaula de Cage no confissionário de Foucault).
1.2. Sedução e escuta (teleologia do gemido comparada à do gozo). Qual o som do sangue? A arte de merda e o coração de ouro.
"Music is not a language. Any musical piece is akin to a boulder with complex forms, with striations and engraved designs atop and within, which men can decipher in a thousand different ways without ever finding the right answer or the best one. By virtue of this multiple exegesis, music evokes all manners of phantasmagoria, as would a catalyzing crystal. - Iannis Xenakis
1.3. Três profundidades da pele do som (som-ruído-epiderme,música-derme,som-silêncio-hipoderme). Três modos de amar sonoro: caridade (ágape-iemanjá), amizade (filia-iansã), erotismo (eros-oxum).
1.4. Caridade como pressuposto da estética sonora (Caritas, ama de leite das musas). O anseio pela beleza (criado por esta mesma) e da arte como consolo metafísico (variações do Zoroastro persa sobre o Nietzsche compositor de liedez passando pelo Zaratustra cristão de Strauss, e Javé).
1.5. De como a beleza formal (Berio e o gesto musical nos escombros da Broadway) se recolheu ao silêncio dos ruídos (Debussy e A Mar, Satie com as mobílias) devido à mercantilização da caridade (Smeták, heremita no instrumento) levando-nos a uma proliferação da escuta plástica (pop, monotonia, emo e rótulos do desamor moderno-romântico em Bowie e Veloso) na harmonia contextual (Schaffer e as relações entre ecologia e economia) da atual acusfera (ciberfonia, capital é desafeto) transpassando os processos de sedução por dança melódica (Amadeus irônico, Bach crente, Berlioz erotômano, Chopin sombrio, Lizst sarcástico) na hierarquia da altura (Catherine Clemént na ópera com Freddie Mercury assistindo à derrota do feminino).
1.6. Resistência (musicoterapia e cancioneiro de auto-ajuda) e insistência (Coltrane e o Salmo ao Amor Supremo) na caridade de escuta (Keulheutter e Andrômeda, Stockhausen e Sirius) e composição geométrica dos fractais sentimentais-lógicos (Kepler, astronomologia e o compositor como composição) da música.
“E não seria o dever a forma altruísta do amor?” Jean Paul Sartre em “A Imaginação”
"Sem o imperialismo do conceito, a música teria substituído a filosofia: seria então o paraíso da evidência inexprimivel, uma epidemia de éxtases" Emil Cioran
II.Filosonia
“Quanto maior o rio, menos ruído ele faz.” Provérbio Tupy
2.1 Introdução à impregnação (Novalis e a luz se decompondo em algo mais que cores e o artista como sistema nervoso da natureza) por contágio aural (Diamanda Galas e o estupro de Adonis).
2.2 Harmonia entrópica (Jung e a ausência de foco entropológico do silêncio imanente) dos afetos (Aristóteles e as amizades como fim da Metafísica, políticas do corpo aural).
2.3 Ruído (“Fedor nos ouvidos. Música não-domesticada. Principal produto e testemunho comprovatório da civilização” segundo Ambrose Bierce) e desperdício (Mark Twain e a galinha que gemia como se botasse asteróides).
2.4 Inutilidade (Domenico DeMasi e Roussel tirando um cochilo na rede) como pressuposto tanto da amizade (Cage e a gagueira de Buckminster Füller) como da composição de uma escuta (Arcano VI da periferia orelha ao cerne do tímpano onde jaz o tambor do julgamento dos ritmos de encontro).
2.5 Melodia de timbres como fluxo do menor atrito (sintonia e sincronia) por entre as redes da ruidocracia (Heidegger e a computação como fim da lógica ocidental).
2.6 Audioadicção (Burroughs e as duas abstinências, Cioran e o tédio) dos afetos (Crowley disse “Bruxos[amigos] do mundo, uni-vos” enquanto Piva pixava nos poliedros “Xamãs[amigos] no mundo, espalhemo-nos”) e capitalismo subjetivo do aparelhamento das redes (“pirate ships in the chips animals territories”).
“So don't fear if you hear, A foreign sound to your ear, It's alright, Ma, I'm only sighing.” Bob Dylan
III.Erotonia Tácita
“Prometeu é antes um amante vigoroso a um inteligente filósofo.” Mircea Eliade
3.1. Introdução ao erotismo do tom silencioso (drone, monoatonia e o mantra do ruído). Metamorphopoiése e o intrincar entre processo e produto (Arcano III do contraste ao envelope), o palestrante não falará mais, mas apenas incitará os presentes à ação.
3.2. Práticas acústicas (foco auditivo, morfomicrofonação, dançaural).
3.3. Práticas acusmáticas (rugosidade, fluência e corte-ex em edição sonora).
3.4. Práticas harmônicas de acústica contextual (fonosmose, equalização, regência de objetos sonoros).
3.5. Práticas aurais (metaescuta, retroescuta, dançaural).
3.6. Práticas radiais (projeção, difusão, radiação, emanação).
“Através da obediência ativa [ao desejo], a audição torna-se sensível e clara.” Hexagrama Ting do IChing
------------------------ [um manifesto esquizotrans] ------------------------
Não acreditamos mais no esgoto a céu aberto que separa a alma da genitália. Nem conseguimos mais nos enganar com a pornografia da carochinha de que não há almas dentro da alma, nem genitálias dentro da alma, nem genitálias dentro das genitálias, nem papai noel sem xoxota.
Não aceitamos a tirania da monossexualidade sã e salva; deixem a Electra comendo o Édipo de pauzinho. Chega destas obsessões com porcas e parafusos fixos, nem somos feitas de aço inoxidável e nem de desejos curáveis, eles são obscenos e tem neconas mesmo que sem zarô, cavalas em disparada, necas de pitibiriba. Que tal eu virar Elke Maravilha e depois o Barack Obama e depois a Herculine Barbin e depois Max Ernst com uma bunda de Carla Peres antes de você terminar de gozar? Não aceitamos a tirania das monoidentidades e vamos passar a portar mais de um equipamento sexual, seremos portadores de mais de uma fissura retroativa em mutação, portadores de mais de uma carteira de identidade – uma para cada órgão do corpo que formos inventando. Não me diga que se lembra? Finja que está fingindo, improvise no seu bairro as pernas abertas e passe por baixo delas porque depois do arco-íris há uma língua, um gemido e uma hiena. Que é de lixo que somos feitos; pinto no lixo, reciclado em cotovelo, tornozelo virado da mãe do avesso, toda retráctil.
Silêncio, Por Favor.
Silêncio, por favor! Falar, gesto de profanação. Rompemos as intrincadas tessituras entre silêncio e som para interpormos nosso tremular verborrágico, a explicação quer ter ao inexplicável, o paradoxo é a paixão primeira do que é.
Nos lembremos que informação não é conhecimento, conhecimento não é sabedoria, sabedoria não é beleza, beleza não é amor, amor não é música e a música… a música musica algo para muito além de nós.
Jogados no mundo, movemo-nos aos caprichos da guerra de tudo contra tudo, sinergia das potências… Só habitamos pontes, linguagens, vínculos antropocósmicos perdidos na cegueira das sensualidades, semióticas. Os amantes das mathemas epistémicas cruzam os abismos absurdos pautados em seus cabrestos axiomas, limitam os sensos pelo bom, toda procissão tem sua pragmática ritualística. Ao devaneio poético, resta senão suspirar: Levai-me caminhos!
Ouçamos a sinfonia do (e no) mundo, {…} não podemos esquecer o som das britadeiras e dos automóveis, as pontes estão sempre em construção. Cessasse o esgoto radioativo e suas dança do acasalamento palavra-lei som-potência do cancioneiro; não mais rissem as buzinas do livre-arbítrio e do fluxo; os mascates parassem de vender as vendas; não estendesse o sonic boom aviador às linhas de morte, fuga e fumaça das geometrias orbitais; silenciada a pólis aos seus 40 deciBéis por metro quadrado; ainda assim, a mais delicada sutileza do concreto pleitearia ao fortissimo furioso do barro oco.
A distinção entre ruído e música toca o cerne da estética transcendental, o que é indesejado e o que é desejável do que devem? Esquizofonia, o cárcere auditivo a uma paleta de modulações das ondas sonoras (cortimbre, melodiarmonia, ritmopulso) é também o abrigo de nossos valores oníricos, moiras e morus. Durar cruza o espaço tal qual psiché atravessa qualquer investida do lógos e inversamente. Nos alimentamos das origens que retemos nestas tramas, somos como soamos.
Onde ouvimos o agora? {…} Porão escondido atrás das cópias sob a curva do rio, ponte fictícia do religare entre fé e o que é. A alcova, o ninho, a toca, a terra não tem limites abaixo em nossos sonhos, o porão é o portão do hades. O refúgio sempre está no olho do furacão, os ouvidos não piscam. Aqui está quente porque lá fora faz frio, é numa divergência convergente que alicerçamos nossos paraísos artificiais. É nos invernos da memória que se atualiza o lar de uma casa, sua máquina de afronta ao cosmo e nisto todo cálice é morada, brindemos.

Conseguiríamos calar nossas vontades tempo suficiente para ouvir nossos tantos corpos, porém? {…} Os corpos humanos estão em corpos sociais em corpos arquitetônicos em corpos celestes, e estes, entre outros criam corpos sonoros da mesma maneira que meu corpo linguístico enquanto vos falo.
Que pede-nos aqui e agora esta voz que silencia? Favorecidos com a a-tensão, suspendamos por dez minutos a palavra, não falemos. Experienciemos ao menos uma vez este porão de subjetividades sônicas, devaneemos a outras escutas de nossas incontáveis peles além da ratio-plausível. Para que a música nascida de cada ínfimo movimento e gesto nossos, a harmonia sonora dos corpos ambientes, não nos trespassem despercebida. Só por hoje deixemos soar os cantos de nós, nos esqueçamos só por hoje do véu da técnica e deixemos que a música nos dance. Ouçamo-nos sem palavras. Silêncio, por favor! Em dez minutos musicaremos…
Ruidocracia
É sempre bom ver um neologismo seu se proliferar

ruidocracia
{estudo para o arcano XIII}
[1+12=13]Dentro da democracia dos signos não há espaço possível para o ruído, relegado à mera função de interferência ou adorno no paisagismo. Com isto sacrifica-se à margem qualquer possibilidade de sondagem profunda do ruir em si mesmo quando parte-se da linguagem.
[2+11=13]O signo do ruído é o cerne da tecnicologia dos dois extremos controles do demo(massa) aurais: No religar semiótico, permite aos ciclopes a contemplação da própria morte(XIII) ao mesmo tempo que os atira na surdez das iterações(progressões de redundâncias timbrísticas), eterno retorno da escala ao paraíso perdido da harmonia subjetiva(Ninguém me acertou). Já nas políticas simbólicas, gera os limiares das interações materiais dos objetos sonoros seja pela imanência heurística que transmuta o ruído novamente em sonema, como pela homeostasia dos sistemas musicais que imprime o foco tonal à redundância sonora de acordo com as dinâmicas entrópicas da rede.
[3+10=13]Podemos então falar de um ciclo de três modos de escuta do ruído dentro à natureza composicional, assim como podemos pensar um sentido como ruído(impregnação) do outro. Mas ainda, o multimídia quer estar em todas as modas ao mesmo tempo, para as dest'ruir.
[4+9=13]Ruído científico-profano: O ruído organizado como se observa no ícone matemático do ruido branco(white noise). O empalidecimento dos matizes cromáticos do barulho
gerado na síntese log arrítmica compõe a síntese dum espectro afetivo-racional. Os cães, como a estrela Sirius de Stockhausen vêem em preto e branco e ouvem melhor a síntese granular das altas freqüências que a pulsação esféride.
[5+8=13]Ruído sagrado: O índice dos silêncios potenciais, as paisagens sonoras em suas implosões de cores e sutileza de matizes. O templo é sagrado porque não está à venda para culto algum, o tempo é sagrado porque não pode ser cartografado. Color noises. João Jaula, procurando silêncios encontrou ruídos, buscando morangos achou cogumelos, buscando o tempo se deparou com a dança e a performance.
[6+7=13]Ruído comercial-laico: O barulho é o produto cultural ideal, pois não distingue a produtores e consumidores, mantém o trabalho da escuta no nível prototípico da soação sem perder nada da geometria tipológica da música. O que não é barulho brilhante no mercado cultural se restringe a interferência sistêmica(metaruído), mas sempre haverá um nicho de consumidores ávidos por turbilhões e é do mote fordista any color you lik
e as long as it's black que os sabbaths encontram seu caminho no seio da indústria da rebeldia. Black noise. Xenakis, o arquiteto busca ver com os sons pelo resto de sua vida o brilho da granada que lhe tomou um olho e um ouvido. A estocástica como religiosidade científica do ruído, a composição concreta dos desertos em rolos de memória. É noise na fita!
[0+13+0=13]O ideal de um mundo sem ruído político é alcançado pelo entranhamento de dois modos de conduta sonora: Uma codificação quântica em velocidades sempre acelerantes que prende os ouvidos pelas cadeias de Markov a uma certa faixa repertorial(as óperas de surdos-mudos da Cia. Invisível de Teatro Alchemico), ao mesmo tempo que uma exclusão pela inclusão como a observada no maximalismo academicista do fim de século. Este, pelo cálculo de todos os afetos musicais se nega a sentir as escutas que produzem seus sons(dir
eito autoral / dever atuante); se assemelhando assim com a irreversível entropia dos mercados de pasteurização fonográfica, que por excesso de redundância passaram a ser não mais que barulho para muitos.
[13+1=14]Laranja Eletrônica, os sonhos tangerinas dos rappers hackers acionistas de Beethoven nos templos do mantra de baixa tecnologia cruzam Dylan escarrando num intonarrumori: "Em direção ao abismo metálico entre os transistores e as cordas das guitarras... o ruído branco encontrará enfim o blues dos negros, as musascagam minérios em nós da névoa roxa antevista pelo terceiro ouvido de Hendrix ao roxo profundo das cabeças de máquinas... Nobody's gonna beat my car / It's gonna break the speed of sound / Oooh it's a killing machine / It's got everything."
[13+2=15]Sketch's Kitsch! A música como a melodia é em tempos de ostentação ruidística sempre meramente esboçada: ou sublimada pelo escárnio ou r
emixada pela obsolescência programada. Vês as rédeas que os produtores colocaram nas bandas pelas próprias bandas de freqüência? No futuro toda canção terá seus 15 segundos de barulho.
[13+3=16]O kitsch trabalha sempre sobre a ânsia de "querer parecer vanguarda" lembra Abraham Moles. O processo de sedução dupla da canção pop(por expansão novideira pseudocientífica e tradicionalismo hedonista pseudoreligioso) submergirá os famosos três acordes em camadas de atmosferas sonoras e hipnoses subliminares, do mesmo modo que engoliu a música geométrica pela ideologia significante(os violinos ao fundo do rap) e o transe mitológico pelo folclore(a onda de acústicos e a percussão maquínica).
[13+4=17]Pagu disse para Oswald: "A industrialização é, pois, por natureza, um desenvolvimento maternalístico". Quando toda a arte se sujeita ao desígnio do evolucionismo adaptativo dos modos de escuta estética o desáine se apresenta como padrão
de conduta ética do artista, que é reduzido a projetista de sensibilidades através de impulsos semânticos na vida pública privada. Aí, resta ao ruir artear.
[13+5=18]Canção, praça pública da música. Se podemos falar de democracia nos âmbitos do som seria, em termos tonais, o de uma arbitrariedade consentida de relações intervalares. Há caminhos sonoros que todos percorrem, há os cumes e cimos. Do metal ao doom há um duplo movimento de criação de uma micropolítica estética própria, ao mesmo tempo uma guturalização animalesca das macroestruturas industriais da forma-banda e uma complexificação das microestruturas digitais que almeja uma comedida máscara de desregramento. A corrupção se miniaturiza e toma entornos de uma opção estética, lógica da preferência tribal. Dietas das escalas pantone de ruído.
[13+6=19]A escultura ruidística como estilística do drone já tomou até mesmo as salas de dança com o Umwelt(Maguy Marin) mas ainda se mantém como linguagem de
resistência criativa à cultura capital nos undergrounds de todo o mundo. Merzbow pode bem ser colocado como o legado de Steve Reich e também como membro de uma guerrilha postgrindgore crystalpunk. Isto se dá porque o drone enquanto arquitetura fluida é a escolha pela especialização nas massas bonitas e sublime(imperativo estético legal kantiano), onde a formação sobrepassa a informação pela sua completa aceitação.
[13+7=20]O modelo dos carros muda, o som dos motores continua o mesmo. Enquanto você não parar seu carro não fale do meu drone, enquanto seu carburador queimar ossos não reclame de meu cigarro. Eis o ruído como nuvem de proteção radioativa, escudo eletromagnético da escuta nômade contra quaisquer arapucas de estilos. Bruito o retorno pós-apocalíptico à natureza da acusfera ionizada pelos impérios radiantes. Pitágoras a Orfeu no túmulo de Hermes: "Inaudivelmente alto, enternamente durante, longe alcançando", quando abre os olhos para ouvir a resposta vê Orfeu se afastando no horizonte cantando.
[13+8=21] Ao ruído nem som nem música resistem. À cibernética, rede
de volantes de volantes de redes de poderes, o carro serve de catedral barroca hipermoderna. Gonzalez me disse na lojinha de souvenirs da capela de ossos: "O modo diabólico está para o pós-moderno como a imagem do cristo para os barrocos". Na democracia dos signos, o ruído(e isto pode incluir tudo que soe de acordo com o desejo de escuta) é relegado ao âmbito de loucura, fazendo da própria escuta uma doença por envenamento(pharmakón).
[13+9=22] Devemos compreender que o registro direto do som é um fato novo na história do homem (a que os teosofistas nomeavam prisma das cores pela luz): data de pouco mais de meio século. Pensemos também no desenvolvimento dos processos audiovisuais(a harmonia sinestésica). Na época da reprodução da obra de arte(XV), torna-se obsoleta a idéia da arte desfrutada enquanto objeto raro e aparece a idéia da arte como contágio semiótico(Burroughs) A própria idéia da arte(III) é posta em questão. O que observamos em no
sso tempo é a explosão da informação sonora. A fartura(e miséria) do nosso tempo(ruídos inclusive) aumenta na medida mesma em que se difunde pela coletividade. A massa consome signos sonoros em massa. O modo tradicional de ouvir e compreender a música constitui uma pré-ordenação arcaica, com seus significados esclerosados, que não podem ser impostos ao grande público, pois a este o mundo industrial fornece tantos e tais meios de acesso e consumo do mundo sonoro, que ele próprio vai desenvolvendo sua capacidade de seleção e inteligibilidade. O que era qualidade se transforma em quantidade e é preciso encontrar os signos correspondentes a esta, para sua efetiva comunicação. O mundo das coisas vai-se dissolvendo e cedendo lugar ao mundo dos signos e da comunicação vital e vivencial. O mundo das coisas é feito de posse privada, o mundo dos signos, para a comunicação e a cultura pravida. Os objetos industriais(incluindo sua música), hoje, participam também da natureza da lingu
agem. O caos da informação sonora que nos aturde está a exigir uma ordem (não-definitiva - mas probabilística e mutável). Ordenar é selecionar e codificar. Codificar é transformar em signos - significar, tornar inteligível. Portanto, é comunicar. Aos trabalhadores do ruído, resta trabalhar dentro dos meios de comunicação de massa até que o sistema se transforme e seja absorvido. E ruir como imanência, ser o barulho de si mesmo no corpo coletivo. Zumbi indo!
Transtorno Kitsch Cibernético
I. Harmonias inconscientes:
Os cerca de trinta mil tatos das membranas basilares, estes osciladores de aproximadamente 35mm, respondem ao impacto de uma estreita banda freqüencial das ondas sonoras, e de acordo com sua posição em relação aos nervos auditórios vertem as freqüências e fases sonoras em impulsos elétricos. A quimera tácita demandaria a fixidez deste ínfimo movimento . Apesar do alcance de captação plena e constante da faixa vibrante entre +/-20 a 20,000Hz, trabalhamos com uma dilatação e retração do foco consciente auditivo muito variável, fora do qual ocorrem as micro e macro harmonias inconscientes.
Os ritmos elétricos dos neurotransmissores cerebrais, cocientes de todas as freqüências que cruzam o corpo, sintetizam-se entre +/-1 a 30Hz podendo ser descritos como o metainfrassom da mente. Os sentimentos, mapeamentos cerebrais do corpo em relações específicas, desvela à faculdade musical no seu sentimentalizar do som, estabelecimento de rotas dos ruídos do, e no, corpóreo .
Os organismos harmonizam suas orquestras homeostáticas através destes impulsos elétricos que variam sua sinfonia de acordo com as necessidades do corpo na sua incessante busca por equilíbrio e bem-estar. Seu funcionamento varia desde o mais lento possível como na faixa +/-(Delta ~ 1 a 4Hz) que possibilita o desprendimento egóico para as regulações do metabolismo, das respostas imunitárias e dos reflexos básicos realizadas somente no sono profundo (REM); passando às ondas +/-(Theta ~ 4 a 8Hz) que regularizam os comportamentos de dor e prazer e com isso os alicerces das emoções como nos estados de transe, anestesia e relaxamento; chegando à gama consciente +/-(Alpha ~ 8 a 12Hz) onde se recompõem os recursos minerais e se ampliam as sensibilidades nervosas e a velocidade de conexões sinápticas, e acelerando-a até o estado +/-(Beta ~ 16 a 24Hz) de alerta, concentração e aceleração do metabolismo através da queima adicional de adrenalina e proteínas .
Estes estados coexistem aparalelamente no organismo que as focaliza de acordo com suas necessidades moleculares, fuga da dor e busca do prazer, que alicerceiam a cristalização de certos hábitos na programação neurolinguística .

A concha e o das dasein est rondo, o corpo é a casa é o mundo . Tudo se ativa quando se acumulam contradições, a ciranda do boi é o labirinto do minotauro. À jam se comunica como nos conscertos ante às partitas, às energias que reverberam as próprias estruturas de um corpoambiente. Fazer o magnetismo dos falantes e metais estruturais reencontrarem suas ancestralidades na terra, subjetivar os objetos. Todas as tecnologias não são mais que um mito , e nisto um libretto seria escrito ad infinitum .
O som de um ambiente reverberado nele mesmo nos joga no paralaxx, onde as infinitas particularidades dos corpos entre a certeza da morte e a impossibilidade do silêncio se interprenetam Liberando o ato na probabilidade, randomização e improviso com os elementos previamente ensaiados pelos performantes ao mesmo tempo que liberando o som do texto imanente pelo freqüencismo coloral, criando massas estocásticas, nuvens, galáxias, campos harmônicos afectivos de multipolaridades atonais, tonais e modais; desvirtuando o caráter absoluto das estruturas cromáticas transitando entre hiperserialismos e minimalismos frequenciais.
As posteriores concordâncias entre as diversas faculdades se relacionam com a harmonia entre os dados dos sentidos aí dispostas, e estas nunca eternas, abismam entre coerência e crença trazendo à tona a impossibilidade das esferas no fenômeno. A mente frente à beleza incompreensível de si mesma, feita círculo pluridimensional, torno de tornos da lama lógos, encontra o seu limite no saber-se impotente e pode então no des-esperar dançagir , manejar a rede de lemes de redes, cibernética.
II. Corprótesespaço, dança das esferas:
A presença em movimento do corpo parte das redes de interlocução possíveis entre espaço construído, público e objetos (aparatos e próteses). Não há a possibilidade de que a dança seja elaborada dissociadamente de toda a composição maquínica e das engrenagens potencializadoras das relações entre espaço e corpo em desdobramento.
Se direcionamos o corpo a uma dança esférica, isto consiste muito mais nos mecanismos de um enredamento noosférico do que nas imagens que giram em uma mimética do círculo . Hipnotizadores e hipnotizáveis através da constante ou fragmentada aparição da gira , os corpos experimentam um transtorno, mas mais do que isso, suas potências conströem a dança no encontro de um corpoespaço.
É nesse caminho que o pensamento corpo segue. Como fazer parte de um mesmo ambiente que outros corpos e no mesmo dissociar-se, desmembrar-se identificando-se da e na multidão ?
O bailarino desloca-se no espaço como portador do ambiente que o circunda. Desloca o som e é deslocado por ele, comportando no corpo a memória sonora impressa na subjetividade ao longo de sua história. As próteses falantes são esse mecanismo do corpo evidenciado, como uma literalização dos sentidos, um extrovertimento das memórias sensoriais.
A prótese se relaciona com o bailarino como o bailarino se relaciona com o ambiente, dança nele. O corpo, então, não é mais ele mesmo , não se resume ao visível e palpável, não se delimita mais no próprio contorno .
Em um mundo de exaltação e esgotamento informacional, os sentidos passam de instrumento de re-conhecimento do próprio corpo no ambiente a um mecanismo estanque de identificações pré-estabelecidas a estímulos absolutamente partiturizados. Deixamos morrer seu frescor de sensação primeira , desapropriamos por completo a possibilidade de sentir em sua totalidade. O corpo carrega os sentidos como apêndices de sua própria carne, amortece seus fluxos em uma tentativa de não mais responder aos estímulos de um ambiente exaurido.
Projeções do porvir, nossas idéias diante do perceptível não se configuram mais como arquiteturas ou estratégias nossas, mas como uma computação funcional constante do confluir com o mundo.
Se por um lado esse confluir libera o si como abertura de possibilidades em um ambiente de riqueza informacional, este pensar e agir de acordo com o rebanho, trama influências ao corpo, prendendo-o e isolando-o da possibilidade de criar suas próprias nomenclaturas, marginalizando seus desejos e emoções, coibindo sua interação sensitiva com o mundo. Nos prendemos crendo já saber a gama de possiblidades reativas possíveis dos sentidos, nomeamos antes de termos sentido. Carregamos no próprio corpo, próteses invisíveis, livros de receitas aos sentidos e às interações com o mundo.
Nos apropriamos do pensamento alheio, mimetizamos as ações que nos cruzam apenas sem nos (re)configurarmos a todo momento a partir do encontro com o outro.
Quando não roubamos mais nada do outro é porque aquilo que ele nos apresenta já é parte de nós mesmos, e a paleta interativa se mostra não mais que o senso-comum. Troca e relação cedem a economia e alienismo confluindo na inércia e amortecimento dos sentidos, a pseudointeração individualizante do virtual.
Ressaltar estes transtornos entre corpos físicos e abstratos que trespassam a subjetividade aproxima-nos do som (a sensibilidade da duração de que dispomos, além das memórias: imagens-tempos entrelaçadas a um espaço eterno subtraído pelo foco). Um corpo enquanto ambiente ou espaço de si mesmo reconfigura suas percepções no confluir com outros sistemas. Criando um terceiro corpo que não o próprio ou a prótese mas a imanência da relação, aprofundamo-nos na pausa para as percepções primeiras, um silenciar dos motores inertes e capturados nas reações pré-estabelecidas pelo aparelho habitualizante. Re-vestir o próprio corpo , reconhecer-se construído além do eu e observar o outro que imageticamente pode se deflagrar em uma mesma situação, mas que comporta em sua experiência o absurdo da identidade no encontro mediado pelo maquínico.
A relação meramente funcional entre homem e máquina levada a seu extremo, um corpo que aciona a prótese e é acionado por ela, exaure as possibilidades de interação corporal e torna-o capturável pelas regras que acompanham tais mecanismos, o kitsch .
III. Inconscientes harmônicos:
Os sons que nos precedem à existência e ainda estão por cessar são indissociáveis da nossa utopia sentimental do silêncio: são a substância, a emoção de fundo, de nossas arbitrariedades harmônicas.
Através da musicæ , tentativa de apaziguar o tormento deste ouvir transconsciente à demasiado complexa harmonia do mundo, reduz-se o foco auditivo a um espectro compreensível, e preferivelmente confortável, das faculdades neuropsicológicas do ouvintecompositor. Esta relação ambígua da estética enquanto a ordenação da complexidade , permite-nos tanto experimentar às transformações da audição orbitando ao ideal simétrico sob a gravidade sensível-racional do corpo quanto encurralar no ângulo fechado dos cantos entre melodia, cortimbre, ritmo e harmonia as infinitesimais arestas das freqüências de nossa esférica escuta .
Deixamos que esta segunda imagem de harmonia reverberasse em todas nossas relações com o musical dividindo os gestos de intuição-criação das de representação em palcos tridimensionais e interpretação padronizada de instrumentos padrão, para encaixar o movimento no espaço, partituramos. Por querermos controlar o belo e o sublime acabamos por destruí-los .
Sustentando este grande musical espetáculo da institucionalização da intuição, o som comprimido em três dimensões serve de massa para as arquiteturizações pseudobarrocas de escadarias ascé(p)ticas de compositores feitos ícones da seriedade sacra deste ofício. O músico reduzido a ator de música advoga seu conhecimento da lei de seu instrumento masturbador, e virtuose que é, com o que resta do lúdico dado ao erro, toreia o ruir sob o véu-técnica e este sistema especialista veste seu ídolo.
As disciplinas formais dos estilos, frente às quais se prostram estes tardios intérpretes copistas, mascaram na logomítica marcha storia-scientia suas para-doxas religiosas de retroalimentação entre o paraíso perdido da forma e a esperança no juízo final, confortando as estreitezas dimensionais de nosso espectro de sensibilidade na linearidade do progresso, para enfim, na nostalgia do presente fazer da própria existência ensaio de seu produto gregário, a obra . Reduzidas as músicas assim a A Música, objeto de consumação: repetição dos resultados certeiros em lugar dos processos de devaneio através das impossibilidades das certezas. Eficácia plena da gestão sócio-econômica do gozo fetichizado em um refinamento cultural . A música tal qual o corpo, porém, é algo para muito além do prazer .

A crítica à teoria das esferas através dos limites epistemológicos feita pelo sintetista logoi technai deixa saltar aos ouvidos o religare entre crença e ciência no tetratkys . Nossas concepções harmônicas surgem das consonâncias e dissonâncias para com os sons inconscientes, não o contrário, como se as estrelas seguissem o princípio da humana música. Esta assunção verídica, porém, é senão uma arma numa velada disputa entre dois métodos de cerceamento das possibilidades auditivas pelo controle na antropomorfose do sonoro. Qual prisão seria a mais adequada para a intuição musical, o número ou a palavra? O cantochão balbuciaria, os cantos gregorianos sussurrariam e a sinfonia em fortíssimo clarearia: ambos! O inegável triunfo da ópera e da canção estão intimamente ligados à necessidade desta criação de uma audição dócil , conforme com a lei dos números, desta agricultura dos nômades sons, literaturização do gado ouvinte humano . Neste sentido, o jazz foi de fato, como querem alguns , a continuação da música eruditista européia, nela somando através da imagética de emancipação não mais que o cálculo rítmico enquanto variável das sonatas modernistas.

Um Sistema Musicológico e Um Devaneio Filosônico
“Pratica a música, Sócrates.” - Oráculo Órfico Pitagórico.
1. Nietzscheana ressacralização do mistério, potencialização de paixões e raciocínios através da transcendência estética, esquizopathológos musical à panarquia ruidosa do mundo, o som além do humano;
1.1. Apolíneo sonhar, bela lógica da fé nos sentidos mensuráveis;
1.1.1. Órgão sem corpo do som, guerra de musas;
1.1.2. Mitologia cosmogônica, metapragmática de caos a logos;
1.1.2.1. Véu de ilusão necessário ao ato perante o rigor das formas absolutas dos afetos;
1.1.2.2. Matemática, número e nôumenon, pontos;
1.1.2.3. Retroalimentação entre arquitetura e ontologia, técnica do princípio e princípio da técnica;
1.1.2.4. A necessidade da estrutura ausente da psiché, a linguagem do jogos;
1.1.2.4.1. Regras, responsabilidade, autoridade e autoria;
1.1.3. Entrelaçamentos de ruído e silêncio;
1.1.3.1. Díade infinitesimal, o paradoxo do ente entre ser e não-ser, linha da dimensão primeira;
1.1.3.1.1. A re-percussão erótica, pulso, ritmo;
1.1.3.1.2. { tempo / espaço = velocidade }
1.1.3.2. Díade infinita, dentre o devir e o uno, linha da dimensão segunda;
1.1.3.2.1. A flauta de Pan, monodia das alturas melódicas;
1.1.3.2.2. { espaço / tempo = distância }
1.1.3.3. Tetráde, a dupla quadratura das díades alicerceando a tridimensionalização no plano decimal:
1.1.3.3.1. { ( 01 ) = ( 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 ) }
1.1.3.3.2. A lira de Orfeu, polifonia das polêmicas monódicas;
1.1.3.3.3. { velocidade / distância = aceleração }
1.1.3.3.4. { distância / velocidade = intensidade }
1.1.3.4. Retorno da série à mônada, a soma das grandezas sonora na cor timbrística;
1.1.3.5. { intensidade / aceleração = aceleração / intensidade = harmonia }
1.2. Dionisíaco embriagar, sublime fé na lógica dos sentidos incomensuráveis;
1.2.1. O som do corpo sem órgãos, músicas de guerra;
1.2.2. Imponderável logomítica, devaneio ápeiron de logos a caos;
1.2.2.1. O lance dos dados, ser-no-vigor dos fatos, relatividade dos afetos formais;
1.2.2.2. Numerologia subjetiva, a matemática qualitativa;
1.2.2.3. A insubmissão sonora à narrativa distinção tempo/espaço, substância formal dialética inerente a qualquer metro;
1.2.2.3.1. Aeion, tempespaço indistinto das Eríneas, Eros e Caos;
1.2.2.3.2. Quântica das durações e potências comovedoras dos sons;
1.2.2.3.3. Interdependência entre os jogos de linguagem, estética, pragmática, crença e lógica;
1.2.2.4. Criador, suprema criação de domínio público;
1.2.2.5. Corpo, metáfora primordial das mathemas;
1.2.2.6. Limites entre sons e símbolos, semiótica e fenomenologia harmônicas:
1.2.2.6.1. { 0 = = imponderável, caos e tao [ Silenos ] }
1.2.2.6.2. { 1 = uno, indivíduo e identidade }
1.2.2.6.2.1. { 01, 10 = 2 = díade, separação e confronto [ Apolo e Dionísio ] }
1.2.2.6.2.2. { 01 = 3 = tríade, movimento e representação [ Édipo Prometeu ] }
1.2.2.6.2.2.1. { 0123 = 4 = tetráde, solução e problema }
1.2.2.6.2.2.2. { 0 + 1 + 2 + 3 + 4 = 10 = dobra dimensional }
1.3. A aparição das aparições, o des-velamento(alethéia) dos mistérios
1.3.1. Eterno retorno da diferença subjetiva, volta a §1.
2. Socrática contradição da quadratura instinto raciocínio, moral mística anti-mística demasiado humana;
2.1. Religare filosofia, decadência da poiesis, a arte anti-arte;
2.2. Castração das potências de paixões e razciocínios, moderação e virtude;
2.2.1. Paradoxo da caverna, o fractal representacional;
2.3. Voz e verbo no simbolismo corpóreo, princípios ordenadores;
2.3.1. Ambivalência do choro primeiro, nome e excremento;
2.3.2. Submissão de todas faculdades técnicas à linearidade bidimensional do texto;
2.3.2.1. Redução dos fluxos ao administrável, a representação de música, canção de captura;
2.3.2.2. Progressivismo técnico e modernismo formatador;
2.3.2.3. Jogos pragmáticos com peças musicais e jogos musicais com peças pragmáticas;
2.3.2.3.1. Músicos e atores de música, ouvintescompositores e partituradores;
…Um Devaneio Filosônico…
Os sons que nos precedem à existência e ainda estão por cessar são indissociáveis da nossa utopia sentimental do silêncio: são a substância, a emoção de fundo, de nossas arbitrariedades harmônicas.
Através da musicæ , tentativa de apaziguar o tormento deste ouvir transconsciente à demasiado complexa harmonia do mundo, reduz-se o foco auditivo a um espectro compreensível, e preferivelmente confortável, das faculdades neuropsicológicas do ouvintecompositor. Esta relação ambígua da estética enquanto a ordenação da complexidade , permite-nos tanto experimentar às transformações da audição orbitando ao ideal simétrico sob a gravidade sensível-racional do corpo quanto encurralar no ângulo fechado dos cantos entre melodia, cortimbre, ritmo e harmonia as infinitesimais arestas das freqüências de nossa esférica escuta .
Deixamos que esta segunda imagem de harmonia reverberasse em todas nossas relações com o musical dividindo os gestos de intuição-criação das de representação em palcos tridimensionais e interpretação padronizada de instrumentos padrão, para encaixar o movimento no espaço, partituramos. Por querermos controlar o belo e o sublime acabamos por destruí-los .
Sustentando este grande musical espetáculo da institucionalização da intuição, o som comprimido em três dimensões serve de massa para as arquiteturizações pseudobarrocas de escadarias ascé(p)ticas de compositores feitos ícones da seriedade sacra deste ofício. O músico reduzido a ator de música advoga seu conhecimento da lei de seu instrumento masturbador, e virtuose que é, com o que resta do lúdico dado ao erro, toreia o ruir sob o véu-técnica e este sistema especialista veste seu ídolo.
As disciplinas formais dos estilos, frente às quais se prostram estes tardios intérpretes copistas, mascaram na logomítica marcha storia-scientia suas para-doxas religiosas de retroalimentação entre o paraíso perdido da forma e a esperança no juízo final, confortando as estreitezas dimensionais de nosso espectro de sensibilidade na linearidade do progresso, para enfim, na nostalgia do presente fazer da própria existência ensaio de seu produto gregário, a obra . Reduzidas as músicas assim a A Música, objeto de consumação: repetição dos resultados certeiros em lugar dos processos de devaneio através das impossibilidades das certezas. Eficácia plena da gestão sócio-econômica do gozo fetichizado em um refinamento cultural . A música tal qual o corpo, porém, é algo para muito além do prazer .
O que toca o humano ao tempo segue em cânone contra as barreiras culturais que almejam ao estético estático. Entre ambos, fugas dos ouvires na contínua instabilidade do saber-poder, as ondas das modas entrelaçam as harmonias das eras. O estudo harmônico para chegar aos axiomas da mathesis isolava a música numa audição idealista. Relevando como ruído, a relação entre as incontáveis faculdades da ecologia cognitiva de um ouvintecompositor, e ainda o vão-elo entre diversas subjetividades, estes inconscientes harmônicos. As artes, estes organismos vivos evoluindo a uma velocidade estonteante entre nós, meros hospedeiros , seguem porém se destruindo e unindo mutuamente em busca de uma harmonia contemporânea .
A crítica à teoria das esferas através dos limites epistemológicos feita pelo sintetista logoi technai deixa saltar aos ouvidos o religare entre crença e ciência no tetratkys . Nossas concepções harmônicas surgem das consonâncias e dissonâncias para com os sons inconscientes, não o contrário, como se as estrelas seguissem o princípio da humana música. Esta assunção verídica, porém, é senão uma arma numa velada disputa entre dois métodos de cerceamento das possibilidades auditivas pelo controle na antropomorfose do sonoro. Qual prisão seria a mais adequada para a intuição musical, o número ou a palavra? O cantochão balbuciaria, os cantos gregorianos sussurrariam e a sinfonia em fortíssimo clarearia: ambos! O inegável triunfo da ópera e da canção estão intimamente ligados à necessidade desta criação de uma audição dócil , conforme com a lei dos números, desta agricultura dos nômades sons, literaturização do gado ouvinte humano . Neste sentido, o jazz foi de fato, como querem alguns , a continuação da música eruditista européia, nela somando através da imagética de emancipação não mais que o cálculo rítmico enquanto variável das sonatas modernistas.
O ideal da (de)composição moderna desemboca nas experiências limítrofes da dialestética sonora do século XX iniciando a transmediação do texto e seu contexto na formação de texturas . Que sons queremos que nos vistam? Como liberar as artes übermensch de nós? Passos primeiros duma nova estruturação das sempre crescentes dimensões da existência humana, este eterno retorno ao equilíbrio entre o caos do ouvir ao ruído-mundo e a necessidade da ordenação cristã dos rebanhos de mercados musicais, passam pela reinvenção do músico de papel enquanto xamã do ritual-jogo do ócio, imanência do maestro , carcereiro panóptico e metrônomo intensivo; em busca de um renascimento da música no espírito da filosofia trágica…
“Sem o imperialismo do conceito, a música teria substituído a filosofia: teria sido o paraíso da evidência inexprimível, uma epidemia de êxtases. Não vejo por que reler Platão falar através de Sócrates quando um saxofone pode nos fazer entrever igualmente um outro mundo.”
—Emil Cioran
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