Filosonia 0.2

Estarei observando o dia sem música por tantos motivos que não caberiam num box set de 48 cds com sinfonias e óperas compostas somente para isto.







O pensamento, esse soberano juiz do mundo,

traz ao homem sua mais plena dignidade.
Não é preciso o ruído de um canhão para impedir os seus pensamentos:
basta o ruído de um cata-vento ou de uma roldana.


Não vos espanteis se ele não raciocina bem agora;

uma mosca zumbe aos seus ouvidos:
é o bastante para torná-lo incapaz de conselho.


Se quereis que ele possa achar a verdade,

expulsai esse animal que põe sua razão em xeque
e perturba essa poderosa inteligência
que governa as cidades e os reinos.


Que deus divertido! O ridicolissimo heroé!

Blaise Pascal


Tornar as afecções(empathos: sympathos, antípathos) sensações(filia),
por cruzamentos no mar de memórias em sentimentos(feelings).
Em lógica, todo sentimento é uma patho-logia.
Paixão sonora.





O ruído eterno destes tempos implosivos me absurda.
Mas não será esta a desculpa para o autismo amplificado dos ipods.
Música, velocidade dos tempos. Alcançada principalmente através do som (peso do espaço no caos aéreo) entrecruzado pela luz, cor das ondas eletromagnéticas. Em silêncio, som sublima da matéria energia e condensa dinâmicas em estruturas geoônticas.
Corpó, escuta composição. Um diletantismo ativo, ou como riria o bombástico, um “atingir o intelecto através dos sentidos”.
Sofia é de escutas sinestésicas, enquanto Sonia fracta a luz compactando-a na tatonomia do au-dio. Tom, espera do silêncio.

Novalis cantou ao terminar de ouvir o velho: Quando dissemos algo abertamente, em verdade, nunca dissemos nada. Já quando recorremos às cifras e imagens velamos a verdade com o véu da beleza.” ... ... ... Síbila...
Música antecede a som como dança precede fala. Som sublima os corpos em energia através do ar(o que gesta a quimera pulmonar por vida e apodrece a carne morta) do mesmo modo que a luz dos campos eletromagnéticos através das cores musíca.

O compositor da operatotalis do burgo(Wagner o cibernético) se lembra de Fausto sobre o bêbado que gritava pedindo o fim do discurso e a entrada da bandinha no coreto(Beethoven, a escuta surda):
“Um supremo espetáculo!
Mas ainda, ai! Um espetáculo.
Onde findo-te, ó infinda Natureza?”

O rádio é uma substância eletromagnética implacável que avança irresistivelmente em todas as direções nas dimensões sonoras contra a qual toda resistência é inútil, logo artística. Seu uso pelas corporações humanas visa propagar pela informação a pandemia, submergindo-nos na quantidade sempre maior de produção cultural pela reprodutibilidade afetiva(cabendo lembrar que todo afeto após a psicanálise é senão uma técnica de pulsão desejante) transformando os limiares de cognições singulares, de modo que a música se tornou o desdobramento fractal do ruído, ruído entre ruídos. Melonoise.
{mas também sei que nenhum canto vale mais do que a vida...}
A rádio foi o pequeno riacho que moveu a compreensão musicante geométrica pré-industrial renascentista para a caosmose digital analógica por entre as margens das interfaces maquínicas (incluindo as abstratas) modernizantes que formam o contemporâneo limiar bauhaus-barroco (minimalismo-maximalismo, sempre intencionalistas).
“A natureza diferencia e copia, a arte copia e diferencia” Pascal
Outras cristalizações de transcópia, multifragmentação, até em última instância, a plena logaritmização do vão som-tom de onde captamos a música empírica, fizeram com que tal riacho espectral tornasse-se caudaloso e preenchesse de significados toda a gama coloral do mar do cinema(o átomo da composição digital é o quadro a quadro cinemagético), relegando a escuta ao narcisismo prostado diante deste como um lago de águas sujas paradas em estilos buscando por si mesma.
"Eu não sei dizer nada por dizer, então eu escuto....."
Dois pontos que Foucault levanta são particularmente interessantes para nós. O primeiro é que ele opõe as heterotopias(acusmoses) explicitamente às utopias(silêncio e tom) e implicitamente às distopias(ruído), “posicionamentos que mantêm com o espaço real da sociedade uma relação geral de analogia direta ou inversa”. Elas são “a própria sociedade aperfeiçoada” (ou piorada, no caso das distopias) ou “o inverso da sociedade”. Já com as heterotopias, percebe-se, que a relação com o suposto mundo real não é simétrica. Em vez de apenas amplificar ou reverter as representações que fazemos do mundo, a heterotopia desarticula seus elementos e os insere numa configuração totalmente nova. Fosse Foucault um alquimista diria que a heterotopia solve et coagula.
Eu falei “suposto mundo real”, e não foi por acaso. Porque o segundo traço das heterotopias, que nos conduz direto e reto de volta à metaficção sonora, é seu “papel de criar um campo de durações ilusórias que denuncia como mais ilusório ainda qualquer espaço real no devir entre cronos e aeon, todos os posicionamentos no interior dos quais a vida humana é compartimentalizada”.
Não se canta errado uma canção, se faz uma versão diversa do mesmo mito.
“Não apenas como os sons se compõem. Mas, mais difícil como percebemos este som em relação aos seus elementos contituintes?”
Como Berio disse de Stockhausen "Tapeceiro Sonoro" e de Cage "Tradução Musical do Jogo do Bingo", dir-se-ia de Boulez "Origami de Partituras".

Não apenas como as estruturas musicais se compõem. Mas, mais difícil ainda como percebemos esta música em relação ao seu contexto(seus silêncios)?
O maestro escuta com os dedos, prova disto são suas tentativas de agarrar o som com as mãos, ou ainda mais difícil, a música com a pele.
música: uma pulga metafísica atrás do som da orelha.
Da mesma forma que um som não existe sem todo o ruído que lhe é estranho, um músico sem toda a política da cidade(arquitetura musicante) dos sons não se manteria.
¡Cómo? ¿El oyente tiene pretensiones? ¿Las palabras deben ser entendidas?
O pós alfabético acena com o retorno do pulso nodal como ponto de apoio da linguagem no corpo, mímese morfopoética baseada não no talento mas no esforço e no trabalho:
“I know that I’m working very hard, as you are working very hard to know what I’m working on.” Xenakis sobre a performance musical de Bergson.
“Avalia o instrumento com seu corpo, incorpora a si as dimensões e direções, instala-se no órgão como nós nos instalamos em uma casa. O que ele aprende para cada tecla e para cada pedal não são posições no espaço objetivo e não é à sua memória que ele os confia. Entre a essência musical da peça, tal como ela está indicada na partitura, e a música que efetivamente ressoa em torno do órgão estabelece uma relação tão direta que o corpo do organista e o instrumento são apenas o lugar de passagem dessa relação.” Merleau Ponty incorporando Bach.
O silêncio é redondo mesmo, Bachelard. O som e os sonhos nos levariam aos delírios de audiomancia onde a pedra entra nos alhures do grão... Microtons ao fogo...
Os quatro modos de escuta de Pierre Schaeffer:
1.Écouter(Escutar): Disponibilizar o ouvido, interessar-se por. Foco dirigido ativamente a alguém ou a alguma coisa que me é descrita ou assinalada por um som. O naipe flamejante do desejo. A preaudição que estimula diretamente no instinto pelos neurotransmissores a uma prática musical.
2.Ouïr(Ouvir): Perceber pelo ouvido. Por oposição a escutar, que corresponde à atitude mais ativa, aquilo que ouço é aquilo que me é dado na percepção. As mirações vêm do som da floresta ecoando pra encontrar os corpos trespassados pelas raízes. A trompa d’água da prática sonora.
3.D´entendre(Dentretender): É o estágio da escuta no qual ocorrem as qualificações do ouvir, dependendo de uma intenção. Segundo Schaeffer, a origem etimológica da palavra aponta que entender é "ter uma ‘intenção’. Aquilo que entendo, aquilo que me é manifesto, é função dessa intenção." Escuta a melodia do vento. Escuta o ritmo das rajadas de vento. Escuta a harmonia espacial dos ventos criando turbilhões. Escuta a brisa que reverbera no espaço. “É preciso ser leve como uma andorinha, não como uma pluma.” – Valéry
4.Comprendre(Comprende): Realizado a partir da qualificação do entender ensimesmado, é o ato de perceber um sentido onde o som torna-se um signo que possui relações com um código cultural. O juízo dos estilos e a guerrilha aural da sociofonia e sonologia. O tremor e a sujeira da posse de um objeto pelo som, terra. Cuando Artaud habla de la erosión del pensamiento como de algo esencial y accidental a la vez, é como Diógenes o Cão lembrando que o som é a medida de todas as fraquezas humanas.

¡Cómo? ¿El oyente tiene pretensiones? ¿Las palabras deben ser entendidas? -Federico Nietzsche



A passada melodia entre astros não soa mais – disse a salamandra ao escaravelho.

A harmonia presenta o espaço polidimensional(polimorfias de polifonias).

Ritmo atira no arco gerúndio futurações.

Sobre a harmonia contextual:
1) a música é um fenômeno que envolve interação entre diferentes agentes para sua existência e desenvolvimento;
2) a significação musical é um caso particular de um processo geral de significação (assim como se pode estabelecer um contínuo entre os processos cognitivos e os processos naturais)
e
3) a cognição musical é um caso particular de uma descrição geral de cognição.




efemérides: uma vez potencializadas

as entranhas energéticas da noz,

que apodreças como o escaravelho
a germinar a voz

Gainza, que trata exatamente da descrição do processo de aprendizagem musical:
“La música, el ambiente sonoro – exterior al hombre – al entrar en contacto con las zonas receptivas de éste (sentidos, afectos, mente) tiende a penetrar e internalizarse, induciendo un mundo sonoro interno (reflejo directo o representación de aquel) que a su vez tendera naturalmente a proyectarse en forma de respuesta o de expresión musical."
Varela et al (1991) passam em revisão às três perspectivas da ciência cognitiva acerca da noção de cognição e de como ela ocorre. Para os autores, a versão cognitivista clássica, que se apóia em modelagens da inteligência artificial entende cognição como: Information processing as symbolic computation – rule-based manipulations of symbols. How does it work? Through any device that can support and manipulate discrete funcional elements – the symbols. The system interacts only with the form of the symbols (their physical attributes), not their meaning. The emergency of global states in a network of simple components. How does it work? Through local rules for individual operation and rules for changes in the connectivity among the elements.

"Pratica a Música Sócrates! A flauta vertebrada é o canto do cisne morto no ballet..."
Representations create understanding and desire.
A essência da música não consiste apenas em agradar os ouvidos, mas também em enganá-los. Seria preciso uma grande arte para não imitar o pássaro, mas cantar como ele.

“-Críton, não esqueçai de levar um galo a Esculápio!”
A prova(ensaio) de Nino Taro lembra que a sinfonia é a sintonia com a qual sonhava Ford na sua ditadura temporal, a sincronia dos planos na linha de montagem.
O computador é o instrumento que mais se assemelha à voz humana. Criptografa na própria carne(silíncio) os caminhos metálicos da eletricidade, criptofona.

Trapdoor paradox is the most simple type of computer virus
abre uma porta que abre uma porta que abre...
o fenômeno coquetel, onde
em meio a um espaço ruidístico
estrutura-se um território harmônico
onde se deslindam as vozes
do coro ao solo, o foco aural.

as mirações vêm do som da floresta ecoando pra encontrar os corpos trespassados pelas raízes, a cidade tem som de ruminar de engrenagens em combustão, que nos chega?
“A guerra deve ser em função da paz
A atividade em função do ócio
As coisas necessárias em função das belas”
- Aristóteles e a escuta pelo silêncio.

Se Sócrates percebia que o texto escrito nos faria perder a memória, Platão já concebia a caverna-cinema nos despojando da imagem-pensamento em nome de fluxo ainda mais rápido. A gravação sonora nos ensurdecerá da música deixando as escuta nos limites de ruído e silêncio. No futuro toda canção pop terá seus quinze segundos de ruído e seu 1.5 decibéis de composição subliminar.
“Descansar? Descansar de quê? Quando quero descansar eu viajo e toco pianos.” O urbanismo dos dados quer gestar uma arquitetura para os afetos através de um sistema iterativo de paisagens de dados... A iteração é também o sistema de busca nos bancos de dados. Se você gosta de Coleman, provavelmente te contarei sobre Roach, mas menos de Pärt?
"Cada palavra falada nos trai. A única comunicação tolerável é a palavra escrita, porque não é uma pedra em uma ponte entre almas, mas um raio de uma luz entre astros." - Fernando Pessoa
Tacitlo Oswald lentamente mastigava olhando os vinis. Mariô os dera, quatro baladas de chopin e o trio em lá menor de tchaikowsky, dizendo:
Nem mesmo nossos breves momentos de revolta escapam ao fascínio da imagem... - tomou fôlego no café e continuou - ... um sentimento de excrecência, tudo o que invizível e indizível afastou-se de nós... a falta, o enigma, o campo simbólico, que são exatamente as condições do pensamento. A sociedade espetacular(a cultura artística) não reprime o pensamento, torna-o dispensável; a exclusão dessa condição essencial da subjetividade deixa-nos desamparados no caos simbólico(a chuva em Mautner) desgarrados de uma dimensão essencial de nós mesmos. Tal sensação limítrofe da ultrapassagem do cognescido levou os grupos humanos todos a inventarem seus mitos, de modo que sejam dotadas de sentido as novas formas de ordem social. Ocorre que nossos mitos hoje são produzidos industrialmente, ou hiperindustrialmente.

A cultura deixou de ser a referência da alteridade para tornar-se espelho do que nos é mais íntimo e familiar, só que tal familiaridade nos vem de fora da subjetividade. No Palácio da Música, caminhando nos porões com Pitágoras, Cartola ri.
Beethoven tomando um mé no jardim com Bartók escuta um tremor que o amigo cantarola fazendo da traquéia cello, Stratos e Gonzaga riem histrionicamente. Caberia lembrar que museu era o nome da prisão que construira Hefaísto para as musas.

Laranja eletrônica, hackers acionistas de Amadeus transmutam a melodia(operacracking) em tempos de rúido ao escárnio kitsch da obsolescência programada destas em mero ruído social. Logo mais as bandas de rock serão tidas ou como ONGs de serviço público de catárse ou como jogos de videogueime.
Sobre a Apassionatta disse Lênin: “Se eu a continuar ouvindo não levarei a cabo a revolução”
Precisamos construir salas de ruídos, como em outros tempos houve a necessidade de construirem câmaras anecóicas que enfeitassem de bossa a oca fadada ao "nova noise" e salas de concerto onde se alimentava o olvidar das forças da natureza.
O espetáculo alimenta-se das intensidades(ouça gore doom e speed metal) a violência não lhe é hostil nem estranha. Ao contrário a violência("sete mil poetas sádicos nas sarjetas") é o combustível e a cocaína que abastecem o showbusiness, por isto os EspectaDores estão cada vez mais adaptados a ela.
This {uma química das cores não bastaria para os oceanos superhélios} is our Cage.
Só as mercadorias, em sua juventude renovada protegem o consumidor da velhice, da caduquice, da insignificância , do esquecimento outorgado a nós pelas dimensões.
Um site 2.0 gera um banco de cultura com produtos poéticos que valem moeda artística numa economia subjetiva em limiar de overdose.

Com uma desvinculação do valor de mercado da música temos uma mais valia do processo sobre o objeto artístico.
A massa desmassificante dos patchworks(a pureza dos dados) compõe na miniaturização dos gestos atuantes a programassom ambiental no cerne da figura do compositor, feito campo satélite de uma acusfera possível.

“Quem quiser se prestar a compreender o mundo deve saber ao menos uma linguagem de programação” Z Hegedus
De modo a explicar a necessidade de superação da precisão industrial por um ócio criativo, De Masi diz: “A eternidade surge na cidade de Belém, o berço famoso das primeiras covas e liras, como consolação à morte assim como a arte só deixou marcas de seu nascimento fisicamente num ornato a uma flecha(que mira a beleza?)..."
Quando em maior perigo, Ulisses se amarrou às sereias pra não ouvir o mastro... à luz sê nó, gêneo.
As ondas sociais que Toffler ressalta são a senoidal espiral de Quetzacoatl como a frequência do Leviatã, o pulso nodal. Tal música transfigurada em ruído das séries aurais demanda o anonimato em nome da subjetividade coletiva(micropoder da ruidocracia), sem que se distingam o começo de uma ou o fim da outra nesta trilha sonora, pois é no campo filosônico entre música e som que jaz o inefável para ambas e para nós: o silêncio que desistimos de ouvir.
“Faltam pessoas que realizem o silêncio,
aquilo que não tem futuro.”