“Os que escutam não defendem a si mesmos ou suas idéias,
mas aceitam o que os outros falam como percepções suas.”
Gene Knudsen Hoffman
(0+8) (16-8) (1+7) (9-1) (15-7) (17-9) (2+6) (10-2) (14-6) (18-10) (22-14) (3+5) (11-3) (13-5) (19-11) (21-13) (4+4) (12-4) (20-12)
Não me lembro mais o que me motivou a escrever no córrego, mas não me deixa esta sensação de que devo finalizá-lo como rio. Prazer cruel guiava a escuta infantil, uma cova por afeto, enterrando água no fogo para parir vento; marcava tais lutas (e lutos) de momentos em páginas com riscos de máquinas não inventadas. Mais tarde viria a ateá-las todas ao éter. O olvido era ainda um abismo, sem as pontes nervais. Das cinzas nasceram tais portos anteouvidos na abóbada da nave. Soou, mas disto quase nada saberá.
As ondas carregavam a pureza senoidal e a beleza (ruído estabilizado) sob chuva a tintinabular os sinos d’água, esta carne da carne, sangrando o espaço em nuendos de tempos amparados no raio, trovão, soslaio. A porta aberta os motores entrarem nos caldeirões ferventes deixava, onde bailavam os vegetais sem parar nem suas cores. Mordias o plástico para ouvir com os dentes as moléculas e cantarolava as poeiras, ao ar estáticas, no feixe de luz. As rodas, chaves e guizos, a profundeza da pele e seus avisos. O tronco retorcia com o peso do teu corpo que subia. Da tua voz, porém, não me lembro mas a ouvia.
Me lembro de um tempo quando o som de automóveis ainda não era contínuo. Esquecimento, interior do sol; num pequeno raio no vinho da mar dentre ao cristal, memória. A música é, faz a escuta esquecer os sons e se entregar aos seus sonhos. Algo o fez querer ser um raio que antecedesse a trovão, ser rio, só ar.
Vício ideal, rito metafísico do prazer e seu efêmero, musicar. Cerne da pirâmide viva, sensível bálsamo da mais-valia espaço temporal (mais-escuta). Forjaria outro alforje, moldaria lemniscata outra, mascararia ócio em tempo, campo de respiro em espaço acústico e toque em propagação social na rede afetiva para conseguir ressonância aural nas entrescutas desta harmonia contextual, olvido. Anteporia iconoclasta a área.
Vítima e réu querem esquecer, só o vector (réu inacusável por sua posição hierárquica disfarçada de hino e essência) encontra na memorabilia musical produzida, o gozo da nostalgia daquela velha canção.
São ricos senhores de feudos cognitivos ouvindo teu jazz sem fumaça. Injeta a heroína no sangue do pai. A nostalgia musical (como na meritocracia virtuosística) alicerça a escuta na música, como estrutura a música no prazer da memória, ouroporos. A máquina riu das partituras e as vomitou de volta.
Anamnese da escuta musical, eixo da timbremelodificação, produz as misturas de tempos vários, durações. Na melodia são estabelecidos os elos conscientes, mas há muito mais – dinâmicas espectrais, ritmos subjacentes e auras e alhures do timbre. Qualia engendra uma temporalização específica, processo paradoxal que combina persistência de recordações infralógicas com um apelo das antecipações de ritornelos (ritos de ornamentos). Mudança, das qualias mesmas, que advém da escuta de uma frase musical no interior do ruído infintenso destes campos ressonantes. Uns dançam para lembrar de esquecer, outros para esquecer de lembrar e ouvir sempre como virgens. Lembrei o que me fez começar a escrever: “História, pudesse findá-la!” A memória é um afeto do futuro, projeta o corpo como reflexão do devir pelo porvir, a atuar no sacrifício do amor (memento) e na sedução da paixão (mori). Os cheiros cantam os ventos, como versos do alento da presença ausente (mas próxima). Esquecer o nome de tudo, a diferença entre sonho e não-sonho. Esquecimento-nirvana e Memória-satori. Deixar ruído escutar. Memorizar todos os tons da luz e esquecer as palavras.
“Dizer é esquecer a essência.”
Goethe
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